" COLÔNIA DE FÉRIAS"

COLÔNIA DE FÉRIAS

DEDICO ESTE TRABALHOAO MEU PRIMO, AMIGO-IRMÃO,

DJALMYR DIAS LIMA,

personagem central desse conto, meu

companheiro querido de tantas travessuras

registradas pelo vento da saudade.

E também a uma “velha companheira, não tão bem-vinda,” cujo nome é SOLIDÃO,

Em 15 de dezembro de 2008

( Após 1 ano,11 meses e 15 dias da morte do meu amor.)

Ronaldo Trigueiros Lima

Por volta do final dos anos cinqüenta, dois jovens primos e amigos resolveram embarcar em um ônibus rumo a Iguaba na Região dos Lagos para uma Colônia de Férias dirigida por uma tia diretora de colégio em Niterói.

-Qual o número da poltrona?

- É a doze... Essa aí!

-Quero ficar na janela... Adoro o vento! Disse “Rorro”.

O ônibus deixou a rodoviária com atraso insignificante; mas mesmo assim, não escapou da crítica bem humorada de “Lorde D”, que junto com o primo, ansiosamente esperavam chegar a Iguaba, o mais rápido possível, para gozarem também às “delícias” de uma colônia de férias do colégio de sua tia Judith, apesar de não serem convidados.

Os dois, durante a viagem, ensaiavam posturas e atitudes que deveriam ser desempenhadas no ato da chegada, a ponto de transformarem suas presenças indesejáveis, em fato casual, “desinteressado”. Coincidência agradabilíssima, que na certa amenizaria o impacto da chegada, e até mesmo, quem sabe, um desculpável olhar benevolente da tia diretora. Pelo menos dela, já que as outras amantíssimas e venerandas, caso lá estivessem reunidas, dificilmente deixariam de lançar “raios flamejantes pelos olhos e narinas” aos sobrinhos inconvenientes, sempre prontos a armarem idéias das mais estapafúrdias.

Pouco a pouco, o vento e a paisagem fizeram com que eles perambulassem por cores e matizes que pareciam convidá-los a encurtar e saborear distâncias imaginando perplexidades.

Sentados na poltrona, “maquinavam” com certa arrogância e jovial peraltice, o impacto que causariam aquela “cidadela de alunos internos”, que em breve iria trocar a placidez do sossego, pela efervescência inquieta dos arrobos mascarados, trazidos por esses visitantes não desejados aos ditos educadores “comprometidos” com que há de mais sério.

- Ora, disse o primo “Rorro”, eis aí uma situação de aventura explícita que jamais vivi, ou quiçá me arrisquei!

-Explicitamente tudo bem, até concordo, retrucou “Lorde D”, mas essa sua cabeça, de quando em quando, é para mim de grande valia e inspiração!

-Por favor, não seja tão modesto primo, você que é a sua própria fonte e “por tabela” também a minha!

No final acabaram se convencendo que um era à força do outro, como ficou “patente” nos anos que se seguiram.

Embora essa suposta verdade nem sempre fosse regra, todas as peripécias deliciosas sempre provocavam despeito aos “bonzinhos” de plantão da periferia que não aceitavam de forma nenhuma o papel de coadjuvantes. Na verdade morriam de inveja das atitudes quase quixotescas de dois pós-adolescentes inconformados pelos espinhos do desprezo. Diria mesmo, uma dupla de aventureiros sem nenhum rancor, apesar de não fazerem parte da turma benfazeja dos parentes considerados. Daqueles escolhidos, por exemplo, que participariam de alguma colônia de férias, ou coisa parecida, cuja tia, havia conseguido junto ao governo, justo lazer para que o internato passasse um mês em Iguaba Grande, cidadezinha bafejada pelo vento constante vindo da lagoa cheia de sal e “tempero”, pertencente ao município de São Pedro de Aldeia.

O pior de tudo seria a presença das famosas tias que sempre se constituíram nos piores obstáculos a presença impulsiva de nossos heróis diante das belas adolescentes internas.

Foi aí, sentindo já os ares da cidade, que “Lorde D” levantou-se para pedir ao motorista que parasse frente à “Escola” de destacadas palmeiras e varanda cumprida junta ao verdadeiro corpo do prédio em sentido vertical a própria fachada e a estrada. Um verdadeiro “L” ao contrário.

“Lorde D”, munido de um cigarro longo preso à piteira, “cachecol” abanado ao vento constante, seguido pelo primo “Rorro” com uma câmera fotográfica a tiracolo, para o espanto das tias sentadas na varanda, desceram do ônibus em grande estilo.

Naquele momento puderam sentir, apesar da média distância entre a varanda e o outro lado da estrada onde o ônibus os deixara, o protesto redondo e explícito de um prolongado orfeônico “OOOOH!”

As irmãs Judith e Medeia mais Yolanda, sentadas em cadeiras rústicas dispostas em semicírculos no meio da varanda, ao perceberem a chegada dos rapazes, ainda do outro lado da estrada, imaginaram estar diante - a princípio - de arrepiante alucinação do tudo que não queriam, do risco que não imaginaram.

- Eu não acredito que isso esteja acontecendo! Exclamou Medeia contorcendo-se na cadeira. “Isso é demais!” (Continuou.) Você tem que ser mais dura Judith. Lembrem-se, nós temos aqui meninas moças internas! Por favor, não vai dar agora uma de boazinha e se acomodar. Ou você quer sofrer o risco de se responsabilizar aceitando a presença incômoda desses “meninos”?

- Calma... Também não é assim! Eu hein!... Não sou nenhuma irresponsável!

- É sim! As coisas são assim Judth! Você tem que deixar claro que não temos acomodações! E que estamos aguardando um número grande de alunos internos que estão chegando de trem a qualquer momento!

Você tem que ser dura Judith! Insiste Medeia. Não se deixe levar pelas artimanhas dos nossos sobrinhos... Você sabe tão bem quanto eu porque eles quiseram vir para a Colônia!

- Também não é assim... E o que você quer que eu faça? Quer que eu os deixe dormir ao relento?

- Você é que sabe... A responsabilidade é sua minha irmã!

Enquanto as senhoras confabulavam sobre a chegada surpreendente dos sobrinhos intrusos acabado de descer do ônibus, prontos para o momento de menor trânsito para atravessarem a estrada e adentrarem no Grupo Escolar. Dona Maria, encarregada da cozinha, com aquele “ar de zanga” e coração grande, que já tinha avistado os rapazes no exato momento que chegaram, juntou-se ao coro de reclamações abafadas, muito mais pelo aumento do trabalho imaginado, do que propriamente pelas razões expostas do momento imprevisível do espanto causado, para quem só queria aproveitar-se das beneficies concedidas pelo governo.

Lara, uma das mocinhas internas, sai repentinamente de uma das salas de aula, agora improvisada em dormitório das meninas maiores, atravessa a varanda pelo canto ao fundo em direção à cozinha, onde dona Maria, agora postada à porta, dava continuidade as suas reclamações intermináveis, principalmente pelo fato de nunca ter sido reconhecida, segundo sua visão, como ex-cozinheira de um senador da república em Brasília.

- O que você quer Lara?

- Quero beber água dona Maria! Responde Lara “aereamente” na intenção de perguntar por alguma coisa que já sabia!

- “Sei...” Retruca a cozinheira como se quisesse através de uma indireta avisá-la, e por “tabela”, atingir as demais colegas que a aguardavam no dormitório entre risinhos e fricotes a novidade que a Lara, a mais corajosa de todas, fora confirmar.

Lara abriu seus olhos verdes imensos em direção à estrada e através de sussurro de semibreve disfarçada, exclamou assim, como se nada a afetasse:

- São os sobrinhos de dona Judith?

- Você sabe muito bem que são! Não venha agora dar uma de inocente para cima de mim. Acho melhor, você e as outras ficarem bem longe! Fiquem sabendo que está “todo mundo” de olho neles e também em vocês! Colocou dona Maria com as ranzinzes que sempre fizeram parte de suas peculiaridades, e que por muitas vezes eram até confundidas com a mais pura franqueza em seus caracteres de qualidade, ou grosseria!

Lara reagiu. - Eu hein dona Maria! Só se eu tivesse doida. Agora, o que eu não posso negar é que, pelo menos, isso vai ficar mais interessante, sem esse tédio insuportável que cerca a nós todos. Parece que quem melhor aproveita este “paraíso” e a diretoria! Francamente, não podemos nem abrir a boca!

- É melhor mesmo que não abra. Como já dizia minha avó, “boca fechada não entra mosca”!

A coisa permanecia no mesmo pé sem dar o menor sinal de mudança radical. As senhoras, em semicírculo sentadas, continuavam em seus vozeios contidos pela proximidade cada vez maior da presença dos rapazes, que “adivinhando” a recepção já esperada, e após alcançar a margem esquerda da estrada onde palmeiras exuberantes dançavam ao sabor da brisa constante vinda da lagoa, incorporaram atitudes e posturas que os tornariam irresistíveis. Pelo menos, esse era o pensamento de “Lorde D”, que durante todo o percurso da viagem aventava e ensaiava esse procedimento. Esse desempenho haveria ficar postergado pelo tempo das lembranças de quem ali estivera.

Por alguns minutos, as senhoras tias continuariam impassíveis em seus semblantes endurecidos, esperando -quem sabe- por alguma descontração momentânea que devolvesse a espontaneidade natural que serviria, de certo modo, como facilitador a suavizar dificuldades ocasionais.

Na realidade isso acabou ocorrendo, graças à intervenção de Yolanda, mulher de Vanderlei, que era uma espécie de “faz tudo”, e que, de quando em vez, principalmente em dias de festas mais íntimas passava a ser reconhecido como um filho de criação da família da diretora. Yolanda, além de gozar da simpatia de Medeia e de ter a fama de excelente doceira, esforçava-se sobremaneira para se colocar no mesmo nível das senhoras em questão, e, sobretudo obter, até mesmo por uma questão de ascensão social, o merecimento e o reconhecimento que sempre almejou. Lembrou-se de repente dos “brigadeiros” deixados aos cuidados de dona Maria, e levantou-se para buscá-los, diminuindo por esta doce expectativa a atenção severa sobre os rapazes que já se encontravam diante das tias.

Antecipando-se a qualquer tipo de reprimenda, ou rejeição, “Lorde D” foi logo pedindo bênção as tias e sem dar tempo para qualquer contra argumento solicitou “como se cobrasse um pênalti”:

- “Estávamos a caminho de Cabo Frio, quando as vi pela janela do ônibus... Não resistimos e aqui estamos! Onde ficam nossos aposentos?”

- “Ali na sala quatro onde esse menino motorista, junto com Cid, (um aluno mais velho) estão alojados...” Respondeu a tia diretora secamente num tom quase inaudível, como se não tivesse naquele momento o que dizer, e ao mesmo tempo, sabendo que sua aceitação iria contrariar sobremaneira a Medeia e com toda certeza a Kaka, a outra irmã que estaria chegando de trem com o restante dos alunos.

Já na sala transformada em dormitório, atento ao que o motorista comentava a respeito do atraso acentuado do trem, acabaram se inteirando da preocupação que começava a se estampar nos rostos das “reverendas senhoras”.

Foi assim que “acendeu” na cabeça dos rapazes a oportunidade de agradar dona Judith, e sem perder tempo, decidiram ir até a estação ferroviária para melhor se inteirarem do atraso do trem. Dessa maneira, transformariam (pela oportunidade) o incômodo de suas presenças na mais útil das solidariedades.

Na pequena rústica estação, “Lorde D” não se fez de rogado. Após apresentar-se como jornalista, pediu a um suposto empregado que se encontrava sonolento, cabeça arriada sobre uma mesa tosca, que imediatamente fosse chamar o seu superior. Mas, sem antes deixar de preveni-lo, que iriam adiantar o “serviço”, começando pelos trilhos e fotografando os “dormentes”, além do relatório dos constantes atrasos, por conta de uma política federal alienada não condizente aos novos tempos que se avizinhavam. “Afinal tempo é dinheiro! “

Pela precariedade e abandono que se apresentava a ferrovia e a estação, não foi difícil impressionar o simplório homem serviçal que diante de tal atitude, não sabia mais o que fazer para agradar os dois visitantes ilustres oriundos da capital, que caíram ali como uma “bomba” apontando corajosamente os erros tão reclamados pelos usuários, que há muito se sentiam “roucos” e esquecidos.

”Lorde D”, no alto de sua “autoridade”, ergueu-se discursivo chamando para si a atenção de algumas pessoas que por ali passavam, enquanto o primo “Rorro” fotografava os dormentes.

Quase por instante, não demoraram muito para descobrir que não existia nenhum chefe superior, e essa certeza fez crescer mais ainda o prestígio dos primos fanfarrões, que no gozo de suas “importâncias” não se furtaram em aceitar alguns convites que iriam satisfazer “vaidades”. Um deles foi feito pelo dono da “venda”, outro pelo dono da barbearia que se prontificou a demonstrar para os rapazes a nobre arte da tesoura, o que foi confirmado por outras pessoas. E mais convites se seguiram.

De repente, avisados que foram da chegada próxima do trem, despediram-se com delicadeza e altivez, declinando de mais honrarias e convites, prometendo, entretanto, um novo encontro pela manhã para o desafio da “Sinuca” do qual “Lorde D” se dizia campeão fluminense.

A tarde continuava ainda ensolarada, e o dia alongado pelo horário de verão, prometia esticar aventuras, antes que os astros se acendessem maravilhosamente sobre aquele vilarejo muito pouco iluminado.

Entretanto, sem conseguir totalmente desvencilhar-se dos agrados lisonjeiros, acabaram por aceitar ante tal insistência, algumas ofertas inevitáveis que tiveram que concordar como uma espécie de “aperitivo”.

Bem lanchados, barbeados, perfumados com loção após barba, cigarro longo, preso à piteira, “Lorde D” junto com o primo, já parecia ter conquistado meia dúzia de pessoas insistentes, que tinham acabado por “convencê-los” a jogar uma partida de sinuca antes de retornarem ao Grupo Escolar, que a convite do Governo estadual, segundo “Lorde D”, estavam hospedados. Alguns já os viam como velhos confiáveis amigos. Outros que por eles passavam, cumprimentavam com sorrisos dos mais respeitosos. Na estrada, no caminho de volta, os informados os apontavam, dizendo aos que até então não sabiam:

“Esses são os jornalistas que vieram da capital!”

“Finíssimos!”. Disse um!.

- Bem novos ainda... Não acha? Disse o outro!

-Sabe o de cachecol e piteira?... Diz ser campeão de sinuca nas bandas de Niterói!. Prometeu também um artigo de duas colunas no Correio Fluminense a nosso favor!

- Até que enfim!. Comentou um terceiro, tirando o chapéu simultaneamente ao passar por eles.

“Lorde D” e o primo fizeram o caminho de volta, sem mais surpresas, com despreocupada andança galhofeira, por isso não estranharam quando viram os alunos menores que haviam chegado de trem em algazarras infantis banhando-se nas águas da Lagoa.

-Façamos um pequeno relatório as nossas venerandas tias por conta das providências tomadas junto ao chefe da estação!

Assim fizeram prontamente e relataram cheios de orgulho e responsabilidade para “tia Kaka” que sem dar muita atenção aos rapazes e dizendo-se cansada, estafada, com “dores nos quartos” pela viagem longa que acabara de fazer, falou a todo pulmão: - Vou tomar um chá e me deitar... “Me deixa..”, por hoje chega! Amanhã vou estar melhor.

A noite se fez tão verdadeira em seus encantos que suscitava vertigens. A Via Láctea parecia estar a alcance de todas as carícias românticas embriagadoras que incitam devaneios.Tudo estava calmo, silente. Somente o canto dos pássaros noturnos, e o coaxar dos sapos entre “nereidas” de vaga-lumes e algumas luzes, ali e acolá iluminavam a estrada quase deserta. A lua, imensa e bela deitava florescências prateadas à lagoa, transformando-a em fonte de desejos. Assim nesse ambiente, com todo zelo, começaram a colocar em prática o plano secreto que “Lorde D” havia combinado com Lara. No mais, nem um passo, nem uma pessoa despertada a vista. Todos tinham se recolhido no Grupo Escolar, exceto Yolanda e seu marido Vanderlei que tinham ido até o centro do vilarejo, fazer lá não se sabe o quê...! Naquele momento de “rasgos amorosos” e adrenalina, tudo era perfeito, diria mesmo, mais do que perfeito, a ponto do detalhe do passeio noturno dos dois auxiliares terem sido considerados um “facilitador” de arrobos amorosos, que por coincidência bem vinda parecia ter caído do céu. Afinal “os primos” nunca imaginariam ter seus planos de aventura ameaçados por qualquer detalhe não planejado que pudesse levar a qualquer erro indubitável que os pudessem “queimar”.

Para tanto tinham tomado todas as cautelas, todos os cuidados imagináveis e possíveis. Pois tinham dúvidas quanto ao convencimento em relação às venerandas tias. Principalmente a Medeia e sabe lá mais quem...

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-Dez horas e meia. Nem mais um minuto porque foi assim que combinamos!

Tem certeza primo? Eu a acho “ meio avoada...” Será que ela falou só por falar?...

-O combinado era ela aparecer na janela...

- Será que aconteceu alguma coisa?

Com o passar dos minutos, a decepção de “Lorde D” modificaria nuances e afloraria descuidos. A impaciência estava de tal modo estampada que já colocara em risco o que havia sido combinado. De um pulo atravessou o espaço e ganhou o terreno baldio que se encontrava justamente abaixo de uma das salas de aula transformada em dormitório das meninas. E esforçando-se para se acalmar, começou a atirar de encontro ao vidro da janela, minúsculas pedras na esperança de chamar atenção de uma delas, principalmente da Lara que com toda certeza deveria estar acordada.

Mas em vão, por mais que insistisse, e essa persistência durou algum tempo, alguns minutos mesmo, ninguém apareceu, nem um sinal, nem um ai! Nesse ínterim, voltavam do passeio, da caminhada noturna, Vanderlei e Yolanda. Vanderlei seguiu direto,

não era dado a essas coisas. Mas a sua mulher se aproximou sorrateiramente, aproveitando-se da distração dos rapazes, a ponto de ouvir e se inteirar do que estava acontecendo. Quando os primos se aperceberam da sua presença, por mais que disfarçassem, não conseguiram dissimular toda aquela evidência.

- E agora?! Perguntou “Lorde D” entre os dentes sem perder o “garbo.”.

- Agora estamos nas mãos dela! Respondeu Rorro tropeçando nas palavras.

Sem mais tranqüilidade, o silêncio profundo parecia preconizar os acontecimentos do dia seguinte. Mesmo assim, apesar do NADA, sem chances de manobra, conformados com o que viria, foram dormir.

III

O dia já estava alto quando os dois tomados de coragem deixaram à ampla sala onde haviam dormido. Assim, rente ao fundo da varanda, dirigiram-se ao lavatório. “Lorde D” de toalha no pescoço, cachecol improvisado, escova de dente imitando “piteira”, sem nenhum titubeio, seguido do primo Rorro, dispuseram-se a improvisar suas higienes em um tanque rústico, enquanto dona Maria (sempre reclamando da vida) requentava o café, sem que isso os fizesse perder o tento do movimento das tias que se entreolhavam silenciosas sentadas na varanda.

Dissimulados e sonsos, após ensaiarem passos sem direção, resolveram quebrar o silêncio do ambiente:

= Bom dia tias... Realmente está um lindo dia! Ótimo para um aprazível banho na lagoa.

- Bom dia! Respondeu Yolanda indevidamente com riso amarelo no canto da boca, sabendo que o cumprimento, até pelo olhar, não teria sido a ela dirigido. Mas como era do seu costume não conter a língua, resolveu assim proceder, tentando esconder talvez, o que certamente havia comentado a Medeia na ausência dos sobrinhos indesejados.

Bem informadas, as venerandas tias já tinham sido contaminadas do “nada que ocorrera” da noite anterior, graças aquela língua de trapo complexada. “Ah! Que ódio!...”

Mesmo durante o almoço e por toda à tarde, um silêncio de convento tinha se instalado na Colônia de Férias. Parecia que alguma coisa estava prestes a acontecer. Algo previsível, já esperado, pronto a estourar a qualquer momento. Com certeza as venerandas estariam forçando uma situação para desencorajá-los a não permanecer nem mais por uma noite. Tia Judith sabia que por conta própria os rapazes não iriam embora. Era nítida a sua contrariedade, e o seu silêncio diferente do silêncio das outras, apesar de não concordar com a maneira que as suas irmãs estavam se colocando diante dos sobrinhos, deixava transparecer serenamente sua vontade soberana.

- Talvez ela esteja aguardando a hora propícia... Dizia Rorro à meia voz arrumando a mochila.

Por algum tempo ainda continuaram sem saber o que dizer. Mas, isso durou pouco, bem pouco mesmo. Assim, mansamente, tia Judith entrou no quarto e com voz embargada dirigiu-se carinhosamente aos sobrinhos:

- Vocês sabem que são sempre bem-vindos ao meu coração?

-Claro tia... Sabemos disso!

- Por isso mesmo, sinto-me bem à vontade para lhes fazer um pedido...

- Esteja totalmente à vontade tia, a senhora não pede, manda!

- Muito bem, sendo assim, embora constrangida, sou forçada a pedir para que vocês desocupem o quarto... Não fiquem zangados. Quero que saibam que serão sempre bem-vindos em uma outra situação. Peço que arrumem suas coisas, porque está praticamente na hora do ônibus Não se preocupem com as passagens, eu as comprei, e estão aqui comigo. Dentro de meia hora volto, pois faço questão de levá-los até a rodoviária. Não quero que percam a viagem!

No caminho da pequena rodoviária, tia e sobrinhos não haviam até então, praticamente, trocado palavras não necessárias. Mas o silêncio e o mal estar foi pouco a pouco quebrado pelos moradores do lugar, pessoas humildes, simplórias que ao passar pelos rapazes faziam questão absoluta de cumprimentá-los com alegria e reverência. A tia Judith foi ficando cada vê\z mais impressionada com a popularidade que os sobrinhos haviam conquistados em tão pouco tempo. Oportunidade essa que se acrescentava a cada passo que davam.

Mesmo sem entender como tudo isso fora possível, contendo sua perplexidade e admiração, sentiu-se feliz e orgulhosa.

-Não fiquem aborrecidos meus queridos! Vão com Deus

Simultaneamente:

Moradores que disputaram a sinuca com os rapazes, e outros tantos que os conheceram na “barbearia” vieram à beira da estrada para se despedirem. E respeitosamente, com largos acenos de honrarias, desejaram-lhes boa viagem e breve retorno.

Niterói, em 13 de junho de 2008. Dia de Sto.Antônio

Ronaldo Trigueiros Lima

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RONALDO TRIGUEIROS LIMA
Enviado por RONALDO TRIGUEIROS LIMA em 21/09/2011
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