Falando em Burro, lembrei da Besta ...
No final do século retrasado, ou no início do século passado, não me lembro exatamente pois ainda era muito jovem, nas cercanias da cidade de Itaperuna, noroeste fluminense, próximo às divisas de Minas Gerais e Espírito Santo, havia a fazenda do Seu Júlio Boechat.
O Seu Júlio era espírita, e conhecido na região pelo seu poder de cura, tinha na sede de sua fazenda uma espécie de hospital e casa de caridade. No andar térreo do “casarão”, havia uma enfermaria aonde ele acolhia e tratava enfermos, sobretudo os carentes que lá chegavam e não tinham para onde ir. Um imenso salão abarrotado de macas e até colchões sobre o chão, tamanha a procura e a falta de recusa em atender aos necessitados.
Seu sogro, um imigrante alemão e vizinho agropecuário, tinha uma besta de estimação chamada “Completa”, devido aos seus atributos no aprendizado das mais diversas tarefas, ou seja, uma besta inteligente acima da média.
Completa, tratada a “pão-de-ló”, era o “xodó” daquele alemão grandão e vermelhão. Ficava numa baia separada e com o máximo conforto.
Mas certo dia, Completa foi picada por uma cobra venenosa, e já agonizando, o administrador da fazenda avisou imediatamente o seu dono, que entrou em desespero absoluto, sendo orientado pela esposa, para que procurasse o genro, o Seu Júlio.
Saiu galopando em disparada para a fazenda vizinha, e lá chegando relatou o acontecido. Seu Júlio, então, pegou um copo d’água e recolheu-se num cômodo da casa por alguns poucos minutos. Quando reapareceu, numa espécie de transe, mostrou o copo com água para o sogro e disse com certa autoridade: “bebe tudo, Completa, se queres ficar curada !”.
O alemão ficou furioso, recusando-se a fazer aquilo. E o Seu Júlio insistiu: “beba tudo agora, Completa !”. O alemão já com vontade de surrar o genro, aquiesceu aos pedidos de sua filha, que tudo presenciava, e que conhecia muito bem os poderes do marido.
Indignado e sentindo-se ofendido, o alemão bebeu toda a água num só gole, retornando para a sua fazenda bastante irritado, por ter perdido o seu tempo, pensando na coitada da Completa, uma perda irreparável.
No topo da escadaria, encontrou a esposa eufórica, dizendo quase aos gritos: “a Completa está curada ! A Completa está curada !”.
Ainda muito aborrecido, o alemão subiu a escada surpreso, querendo confirmar o que a mulher dizia, o que era a mais pura verdade.
Ela quis saber o que o Seu Júlio havia feito, e cabisbaixo, o marido respondeu: “ele me deu um copo d’água para beber, e a besta aqui bebeu, só isso !”
E foi ver como estava a Completa ...
Por Alexandre Boechat,
Em 19 de Dezembro de 2006.