Denis Ramar apagou seu ultimo cigarro numa poça de água de chuva, e viu nela o sol reaparecendo depois da ligeira chuva de verão. Detestava estas chuvas quando o pegava nas estradas que eram sua casa nos últimos anos, mas hoje poderia até agradecer o chuvoso tempo pelo atraso que causou ao seu destino.
Montou em sua moto e antes de colocar o capacete acenou para o dono de um bar que lhe serviu de abrigo contra as rajadas de vento. Não se conheciam, mas tiveram tempo suficiente para uma conversa informal sobre coisas da vida e até riram um pouco esquecendo por segundos do seu motivo de ele estar naquela estrada neste exato dia.
Acelerou firme e decidido partiu em direção a estrada principal, olhou para o velocímetro e aumentou a velocidade, não estava atrasado para o dia de hoje pensou e esboçou um sorriso leve nos lábios, estava ele atrasado já quase uma vida, e que Deus o perdoa-se, não queria logo hoje chegar a tempo de abraços e choro, queria ser discreto e o quanto mais rápido saísse da presença dos familiares e amigos melhor.
Denis era forte e determinado, assim diziam sobre ele, e ele não ia fraquejar hoje diante do ocorrido. Fez uma curva e viu as rodas de um caminhão girar como se fossem um pião, e seu estômago revirou e tudo se tornou turvo até ouvir vozes longes.



Segurando firmemente uma bíblia, David Ramar disfarçava o tremor das mãos já cansadas de tanto trabalhar, o único descanso delas eram quando escondia parte do rosto em orações pela família e principalmente por Denis Ramar. Seus olhos fitavam o nada enquanto sua mente o levava ao passado distante. Parecia tão real, quando presente a imagem do filho Denis brincando no quintal enquanto ele preparava um sermão para o culto daquela noite, estava finalizando suas anotações sobre a volta do filho pródigo quando um grito de dor e susto o fez sobressaltar e virar-se em direção a uma rampa feita com uma tabua e terra. Denis com apenas seis anos de idade saltava sua armadilha com uma bicicletinha barra circular e tão rápido quanto o grito seu corpo foi arremessado contra o chão.
David saltou rápido o muro da varanda e vai socorrer o filho, uma mistura de susto e raiva pela desobediência de Denis, o faz dar tapas em sua perna. Denis grita chateado com ele:
_Pai eu estou morrendo viu!
O avô paterno Nicolai Ramar aproxima-se dos dois,  e depois e verifica a situação do neto, sobre protesto do pai que diz que ele só sabe mimar o garoto travesso, ele abraça o neto e diz que não é nada, apenas uns arranhões bobos, mas precisava colocar gelo no nariz que sangrava.
Ana se aproxima devagar segurando a enorme barriga de oito meses de gestação, é acalmada com a notícia de que o filho está bem e que deve apenas providenciar umas pedrinhas de gelo para o nariz, um vasinho deve ter rompido, é só diz o esposo para ela.
Deitado num banco da varanda tendo como apoio o colo do avô, Denis fixa bem os olhos nos dele e diz:
_Vovô Nico, quando você morrer você me leva junto?
_Não devia Denis pedir para alguém já velho algo assim, e se o bom Deus me chamar hoje?
Um sorriso gostoso de criança levada e depois a frase típica de um bom humorado garoto:
_Diz para o bondoso Deus que só vale te buscar quando eu estiver grande vovô Nico, bem grande mesmo.
A mãe entra na conversa e diz:
_Então vamos já para o banho e depois almoçar para ficar bem grande e forte.
_Eu vou mamãe, mas vôo responde que me leva?
Risos sadios de um homem sábio e temente a Deus para conversar besteiras com uma criança inocente e insistente. Depois de olhar para o céu diz:
_Denis se for da vontade de Deus vou viver muito e teremos tempo para estes assuntos. Agora vai logo tomar banho enquanto desfaço aquela armadilha que você fez antes que eu mesmo caia nela e já era nossa conversa hoje mesmo.
Risadas e todos voltam as suas atividades do dia sem tocar mais neste assunto sombrio que só Deus sabe de onde o pequeno Denis tirou.




Densa lagrima correm dos olhos de David Ramar ao reviver o passado, colando as ultimas horas vividas pela família ao enterrarem o velho vovô Nicolai sem a presença do neto Denis que já os deixava preocupados com a demora. Alguns diziam para acalmá-lo:
_Ele deve chegar logo.
_Acho que nem vem, amava demais o avô para vê-lo morto.
_Denis vem sim!Não nos deixaria numa hora destas.
Esperaram até o Maximo permitido e nada de Denis chegar.
David Ramar queria saber como foi as ultima horas do filho, o que fez o que pensou, como tudo aconteceu.
Santo Deus! O velho Nicolai viveu os últimos anos depois da partida de Denis como um boneco sem vontade própria, o mal de Alzheimer o fez esquecer coisas simples do dia a dia, até se tinha alimentado ou não. Mas não esqueceu do pedido do neto._ Deus tem misericórdia de nós clamou em alta voz quedando a cabeça nos braços de uma cadeira e ali ficou a chorar pela vida do filho Denis que morria na sala de cirurgia.



Uma jovem alta e bela como a mãe abraçou o pai querido e falou já em seus ouvidos:
_Papai Deus ouviu nossas orações, Denis está fora de riscos, ele voltou!
Um suspiro profundo saiu dos pulmões de David Ramr e seu olho iluminado voltou-se para o céu e disse sorrindo:
_Graças a Deus papai você teve a tal conversa com Denis.
David Ramar e Nicole Ramar seguiram abraçados e com esperanças que Denis voltasse sim, voltasse para vida, para a família, e não tinha dúvidas que da presença de Deus ele jamais sairia novamente.
David não contou dos últimos pensamentos para ninguém, nem para sua esposa Ana tão abatida com os últimos acontecimentos.
Teriam tempo para conversar depois com Denis e saber mais dele e o que tinha de novidades para Deus o devolver a terra.
Sorriu ao imaginar que poderia até ter netos como vovô Nico.