Quando a Primavera Chegar

É noite de lua nova ou, como minha falecida avó costumava dizer, noite de lua negra. Lembro-me bem quando ela me recomendava que evitasse ao máximo sair de casa durante essas noites. Nunca acreditei nesse tipo de coisa. Achava que ela só queria me amedrontar para que eu não saísse à noite. Ela sempre foi muito superprotetora.

No dia de sua morte, antes de sofrer o ataque cardíaco, ela foi ao meu quarto e me entregou um cordão que nunca havia tirado de seu pescoço até aquele dia. Ela me explicou que era um pentagrama, uma estrela de cinco pontas. Não entendi naquele momento o motivo para ela me dar aquilo, mas aceitei sem questionar nada. Eu chorei muito a sua morte. Ela era como uma mãe para mim, a mãe que nunca tive...

Dias após sua ida, revirando suas coisas, encontrei um livro bem antigo. Curiosa, comecei a folheá-lo, tentando ler o que estava escrito, mas para minha frustração estava em uma língua ou código que eu não conhecia. Mas, na última página, havia algo que consegui entender “Quando a primavera chegar, o que está oculto irá se revelar”.

Aquelas palavras deixaram-me muito intrigada por semanas. Depois de um tempo, havia me esquecido completamente disso, até que um dia tive um sonho. Nele minha avó e eu corríamos por campos floridos, extasiadas pelo cantar dos pássaros. No sonho, ela me dizia para tentar ler o livro novamente assim que a primavera chegasse.

A primavera está chegando e eu já posso sentir. Apesar da escuridão dessa noite, não sinto medo algum. A brisa é tão reconfortante que até parece os braços dela me envolvendo nas noites frias...

Abro o livro e aquelas palavras que antes pareciam estranhas para mim agora faziam todo o sentido. Nas páginas velhas, castigadas pelo tempo, as suas memórias que passavam no meu pensamento como um filme. Tudo o que li me encheu tanto de vida, que não me sentia mais a mesma.

Na última página, para a minha surpresa, ela relatava em detalhes tudo o que aconteceu no último dia de sua vida. Segundo ela, aquele cordão que havia me dado de presente serviria para me proteger de todos os males que iria enfrentar. De alguma forma ela sabia que ia morrer, mesmo assim, em face da morte, mostrou-me que não iria me abandonar, que estaria ao meu lado sempre.

Nas últimas linhas ela escreveu assim ''Minha menina querida, agora será sua vez de escrever a sua história neste livro. Te amo e continuarei te amando por toda a eternidade”.

Não pude conter as lágrimas. Uma delas, quase que por capricho do destino, cai no livro manchando-o, deixando incompreensível o que eu havia acabado de ler. De repente, as palavras começam a se deformar como se ali estivesse sendo pintado um quadro surrealista. As páginas vão se tornando brancas e límpidas novamente e tudo o que estava escrito desaparece.

Tudo parece tão claro agora. Mesmo sem entender o que havia acabado de acontecer, eu sabia o que tinha que fazer. Era a minha vez de escrever minhas memórias naquele livro e certamente serão todas dedicadas a minha eterna mãezinha.

Aillon Dias

Aillon
Enviado por Aillon em 14/09/2011
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