Um Inveterado Mulherengo
                                 UM INVETERADO MULHERENGO


Os domínios do coronel Ernesto se estendiam por boa parte do pequeno Estado nordestino. Ele era agrônomo apenas de diploma, pois nunca exercera a profissão. Nunca precisou também, herdeiro único que fora de um outro não menos famoso coronel Porfírio, seu pai. Nunca se interessou pela profissão. E, se assim o fosse, que Deus se apiedasse da Agricultura, já tão vilipendiada, desde aquela época, pelos idos dos anos 50, pela indiferença dos poderes públicos! Formou-se só por vaidade; simplesmente para ostentar o título de "doutor". Mesmo assim, preferia que o tratassem de coronel, já que substituía o falecido genitor.

Comentava-se, em volta dos seus contemporâneos, que fora um péssimo aluno. De uma mediocridade sem par. O diploma lhe caiu dos céus por milagre ou pelas benesses dos colegas, recompensados, regiamente, com quantias em espécie.

Era dono de um visual elegante nos seus aparentes cinqüenta anos de idade. Herdou também do pai certos traços de fidalgos europeus. A cabeleira, mesclada de fios brancos, já lhe anunciava uma futura calvície naquela idade, de dias já bem vividos.

Ernesto, quando estudante, fora premiado pelo pai com várias viagens ao exterior. As suas férias nunca foram gozadas no Brasil.

Se não foi um bom profissional, destacou-se como excelente administrador dos bens que lhe couberam. Tudo cresceu nos seus domínios. A paixão do velho Porfírio sempre foi a criação de gado-de-corte, como tratam os pecuaristas. Isto ele não esqueceu. Os frigoríficos da região, e até de outros Estados, contavam com a sua quota mensal. Ernesto diversificou o seu patrimônio dividindo, também, parte com cana-de-açúcar e cultivo de lavouras outras: feijão, milho e mandioca. Os seus ex-colegas de Escola se surpreenderam.

O homem ficou famoso naquelas bandas nordestinas. Só se ouvia falar no coronel Ernesto nas rodas de negócios e, mais ainda, da sua fama de aproveitador das jovens trabalhadoras das suas terras. Ouvia-se dizer que até uma agenda foi encontrada em seus pertences, depois de sua morte, com uma relação incontável de suas “vítimas”. Não deixava por menos. Como oferecia uma razoável assistência às famílias pobres acolhidas em suas terras, em compensação, queria ser o primeiro a conhecer a virgindade das mocinhas trabalhadoras. Envolvente como ele só, investia oferecendo presentinhos do agrado feminino, como perfumes, sabonetes, e até peças íntimas de lingerie. E assim, elas adoravam o coroné Arnesto, vangloriava-se.

O tempo corria manso e fagueiro naquelas plagas do semiárido nordestino; tão tranqüilo como a paciência de dona Gertrudes, sua esposa, que amargava, sem qualquer reação, a atitude inescrupulosa do marido, a quem não deu um varão, um macho do colhão roxo, como dizia Ernesto, cobrando-lhe um herdeiro, sempre que discutiam. Problemas de saúde a tornaram estéril, depois da extração de um mioma, danificando-lhe as trompas, poucos meses depois do casamento. Sentindo-se cheia de culpa, aceitava o comportamento dissoluto do marido.

A fama de garanhão do coronel Ernesto corria mundo. Assim ou não, fato é que a população infantil, em suas fazendas, cresceu assustadoramente graças à persistência do seu poderoso proprietário, evidentemente.

Todavia, à certa altura da boa vida de sultão, uma mudança brusca aconteceu no dia-a-dia de Ernesto. Aos poucos o seu comportamento foi-se arrefecendo. Notava-se evidente declínio nas suas atitudes de emérito conquistador. Já não obsequiava com tanta freqüência as mocinhas, nem mesmo as recém-chegadas às suas terras. Tornou-se mais caseiro, causando espécie, não só à esposa, como aos serviçais. As saídas noturnas costumeiras cessaram de repente. E, para surpresa geral, parecia caminhar para uma obesidade precoce, aparentando a pele da face mais lisa e quase imberbe. Faltava-lhe a sua natural agilidade, o que o levava a deitar-se na rede do alpendre da casa-grande da fazenda com freqüência inusitada.

A esposa e os mais próximos atribuíram a sua transformação ao arrependimento pela sua infidelidade, ao adultério descarado, indigno ao homem de sua reputação, um fazendeiro bem-sucedido que era.

Surgiram, daí, muitas hipóteses. Entre outras, a da sua castração.

Nos últimos tempos havia aparecido nos seus domínios um sertanejo com um casal de filhos em busca de trabalho. Fugiam de grande seca que castigou o Estado do Piauí. Era um caboclo musculoso, segundo diziam, de tez bronzeada do sol da caatinga. Enfim, um vaqueiro experiente e corajoso, ou melhor, um verdadeiro espartano, um forte, como dizia Euclides da Cunha no seu Os Sertões.

A generosidade do coronel Ernesto não poderia faltar àquela nova beldade, à filha donzela do novato sertanejo, uma bela ragazza de olhos castanhos-amendoados, cabelos pretos e lisos, soltos até a cintura torneada, percebendo-se ainda os seios soltos e firmes por trás da blusa de tecido estampado, aflorando a libido de Ernesto, que não se conteve desde aquele instante que botou os olhos devoradores de garanhão sobre a filha donzela (tinha certeza) do espadaúdo vaqueiro piauiense.

Pouco tempo se passou desde aquele instante da sua nova e última conquista. E o que se comentava por ali - até hoje - foi o desaparecimento misterioso, sem qualquer rastro, do sertanejo e seu casal de filhos, deixando para trás a sua fama, a sua “marca registrada” de exímio castrador de bois nas fazendas dos sertões nordestinos.

Inverídicos aqui, na verdade, só os nomes dos personagens. O resto, segundo pessoas que merecem crédito, que não são poucas, no Nordeste, este fato também se inclui nas histórias do coronelismo, que reinou até pouco tempo nessa região do nosso maravilhoso Brasil.


 
Pablo Calvo
Enviado por Pablo Calvo em 09/09/2011
Código do texto: T3209286
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