Caldo Morno
Fazia calor. Do asfalto subia um bafo quente. Um ar denso, pesado. Por vezes parecia ser quase possível tocá-lo. No corpo aquele suor pegajoso, as mãos úmidas... nenhuma brisa. A paisagem à distância parecia dançar sob o efeito das tremulantes ondas de calor que se elevavam do asfalto. Sob o brilho intenso do sol era preciso apertar os olhos e franzir a testa numa deformante ginástica facial. A camisa empapada nas costas, o suor escorrendo pelo rosto e pingando do queixo. Por baixo das calças a cueca úmida causava desconforto. Pelas pernas escorria um fio de suor que penetrava as meias tornando-as pesadas. A sola dos pés ardendo no tênis em brasa. A cabeça atormentada por uma dor latejante perdia a capacidade de raciocinar com clareza. A respiração difícil no ar seco e poluído pela fuligem que voava do escapamento dos automóveis em fila.
O calor aumentava a sensação desoladora daquela vida solitária que levava. Ficava ali horas remoendo coisas do passado. Palavras não ditas, sonhos não realizados, aventuras não vividas... Já tinha passado dos trinta e sete anos e nada do que tinha sonhado para sua vida havia se realizado. Não conseguia se definir sobre um destino no qual pudesse investir sua vida sem reservas. Havia sempre uma indefinição em suas investidas.
Percebia em si mesmo uma dificuldade enorme de perseverar em alguma coisa. Entusiasmava-se com um determinado sonho. Ficava empolgado, articulava um plano, um cronograma, enumerava as etapas, estabelecia objetivos, até começava a dar passos num determinado rumo. Porém, logo adiante as primeiras dificuldades o enchiam de dúvidas, de desânimo e de insegurança e logo começava a vacilar, até por fim, deixar tudo de lado. Não era capaz de perseverar num projeto até o fim. Não tinha a energia para continuar insistindo até vencer os obstáculos.
Notava que ao longo de sua vida um vácuo existencial o perseguia. Algo como uma fuga contínua. Um constante afastamento de qualquer envolvimento profundo, radical e decidido em qualquer coisa. Quando tal possibilidade se insinuava uma espécie de luz vermelha acendia-se em seu interior e levantava-se em torno de sua alma uma espécie de blindagem emocional que o mantinha friamente distante. Talvez por isso nunca se sentisse pleno, realizado com a vida. Nunca satisfeito existencialmente. Constantemente sedento de plenitude. Era continuamente surpreendido pela sensação inquietante de um ser fragmentado. Transitava dividido, a vida esparramada, voluptuosa, tentando abarcar interesses simultâneos e, às vezes, contraditórios. Não conseguia ter domínio de seu próprio ser e guiá-lo num rumo definido.
Mas, o pior era a trágica covardia que não o permitia estabelecer uma direção nova à vida. Não tinha fibra suficiente para empreender as mudanças que sabia necessárias. Amendrontava-se só de pensar nas conseqüências. Ainda que a contragosto se acostumara àquele estado. Suas aspirações eram superficiais. Não tinham a intensidade necessária capaz de produzir mudanças radicais. Não conseguia achar em si a capacidade inventiva que perfaz um ser humano normal. No fundo gostaria de ser uma pessoa capaz de responder criativamente às demandas da existência, de ter um espírito presente. Ser capaz de amar e odiar a seu tempo. Externar a paixão e as lágrimas. Ter coragem de demonstrar uma justa indignação quando o momento o exigisse. De esbravejar e até xingar se necessário. Mas, simplesmente não conseguia. Sua já estabelecida fachada de bom moço não o permitia.