CACHORRO? AQUI NÃO!

Era um fazendeiro bem abastado, diga-se de passagem – apesar de certo vício na linguagem, mas assim mesmo que Juvenal era. Apesar, outro sim, de pouco parar em casa, não aceitava cachorro de espécie alguma em sua casa.

Casado com Beatriz. Desta união nasceram três filhos. Victor – o primeiro herdeiro e futuro administrador dos bens da família; Verônica e Vânia. Esta sempre muito doente, apesar de tantos tratamentos.

Vânia enlouquecera, por assim dizer, por um pequeno animalzinho de estimação: um daqueles fiéis companheiro do ser humano que, quando chutado, empurrado, sempre agradará o dono – o cão.

Suas tias, Miquélia e Miguélia – gêmeas, em data propícia de aniversário, com direito a caixa de presente com laços de fitas azuis, entregaram-lhe o pequeno animal – e com coleira de nome gravado.

Vânia olha atentamente o pequeno animal, olho no olho. Amou-o desde o primeiro instante.

Mas, e o pai?

O burburinho, já na sala, aumentava. O pai, todo esquisito não queria ceder. As irmãs deste, tentavam, tentavam e tentavam... Mas as tentativas foram tantas que:

- Tudo bem. Fica, mas assim que Vânia se restabelecer e levantar daquela cama, o animal vai embora.

Todos concordaram, mas não imaginavam o que estava por vir... Dos doze anos que Vânia tinha, agora perante aquela cena, já se iam treze anos...

E Bilu ficou!

O pai, embora sisudo, não se opôs nunca aos caprichos da filha – sabia que esta vivia (agarrada à vida) por milagres. Crescera formosa e Bilu ao lado. Formara-se advogada e Bilu ao lado. Em todos os lugares que Vânia ia, Bilu também marcava presença.

A velhice também chega ao animal. Bilu envelhecia. Os pêlos cresceram, muitos caíram, até que a doença chegou. Chegou junto com os anos...

Mas antes de sua partida muitas coisas aconteceram. Os anos que conviveu ao lado da família trouxeram fatos que nunca serão esquecidos como também fatos que passaram desapercebidos – talvez fatos que ficaram registrados apenas na mente de alguns.

E ficando no seio da família, Bilu entrava e saía do quarto de Vânia sem se preocupar – o que irritava muito o senhor Juvenal. Mas Bilu também marcou presença no casamento de Vânia. Aos dezenove anos Vânia se casou. Foi ao casamento com toda a pompa possível. Todo enfeitado – de casaca e sobre-casa – e com direito especial de cabeleireiro.

O noivo, meio contrariado – apesar de saber de toda a história – concordou. A única coisa que não poderia concordar seria em levá-lo em noites de núpcias. Mas Bilu não viajou junto com os noivos. Passou dez dias de cabeça baixa, mas ao pequeno sinal de Vânia no portão, Bilu saiu em disparada de pura alegria. O reencontro durou quase uma hora – Vânia nem se preocupava com o restante de família. Apenas conversava e acariciava Bilu.

Os dias se passaram e Bilu mudou-se junto com Vânia e Marcelo – marido de Vânia – para o apartamento (para desespero dos condôminos). Bilu era um cachorrinho de pouco barulho, mas tornava-se inquietação para alguns. Mas Vânia contou sua trajetória de amizade e não houve quem a fizesse desfazer daquele pequeno ser.

Já com treze anos de idade (que por sinal, idade avançada para um pequeno cachorro), Bilu se definhava. Quando chamado apenas abanava o rabinho. Seu corpo estava cheio de feridas – era câncer canino, conforme anunciara o veterinário.

Numa tarde sombria de agosto o pequeno Bilu veio a entrar em pequenas convulsões, seguidas depois de uma calma e logo a morte o levou para o céu dos animais caninos.

Vânia ligou para o pai – seu fiel escudeiro nas horas amargas – e comunicou a morte de Bilu.

- Onde ele será enterrado? – questionou o pai.

- Estou pensando em levá-lo para enterrar lá nas terras da fazenda, papai.

Mas o pensar de Vânia, bem sabia o pai, que era quase uma ordem e tentou desfazê-lo:

- Mas são longos vinte quilômetros cheios de buracos.

- Mas enterrá-lo onde, papai?

- Mande-o para a Clínica que lá darão um jeitinho.

- Nada disto, papai. Na fazenda, papai – e desaba a chorar.

E minutos depois o pai encosta a sua camioneta e lá vão eles – Bilu, seu Juvenal, Vânia e Marcelo – a enterrá-lo na fazenda.

Aos muitos solavancos chegam ao anoitecer. Um dos empregados da fazenda de posse de uma pá e enxada acompanha o pequeno féretro. Escolhido o local – em baixo de um pé de ipê todo florido – Bilu é enterrado. O pranto foi grande por parte de Vânia. Se observassem bem os olhos de seu Juvenal notariam que escorriam duas pequenas lágrimas que foram logo dissipadas por ele.

As recomendações ao empregado da fazenda de noutro dia fazer uma pequena cerca para ninguém pisar no local foram grandes.

O silêncio no retorno parecia mais do que mortal – não apenas uma morte qualquer de um animal, mas mais do que um ser ente querido. Os dias se passaram e a rotina voltou ao normal. Mas Bilu nunca seria substituído.

Os dias se passaram e dois anos depois o pai resolveu vender a fazenda. Os negócios já estavam fechados quando Vânia soube que as terras não seriam mais da família e entrou em pânico:

- E onde colocaremos os ossos de Bilu?

E, para desespero do pai, mais essa para resolver:

- Minha filha, os ossos já nem existem mais.

- Claro que existem, papai. E eu quero tirá-los de lá.

- Nada disso, Vânia.

- Papai – e não consegue mais falar, apenas desaba em choro.

Seu Juvenal vê que não há o que fazer. Deveria pensar sobre o assunto e promete uma saída antes de entregar as terras. Sabia que se não o fizesse enquanto as terras lhe pertenciam ainda, teria que fazer depois.

Dias depois lá estão eles, agora três: seu Juvenal, Vânia e Marcelo. A cova é aberta e os pequenos ossos de Bilu são colocados numa caixa bem pequena.

Retornam para a cidade. No próximo fim de semana levariam os pequenos restos mortais de Bilu para outras terras da família...

Araçatuba - SP

Prof Pece
Enviado por Prof Pece em 17/12/2006
Código do texto: T320837