A Casa de Dona Flor e sua vizinhança
Ciço era um rapaz simples, cuja maior alegria era visitar uma certa casa, lá pelas bandas do cemitério. A Casa de Dona Flor, onde as mulheres de vida fácil arrancavam todo o seu dinheiro. Só ia embora, se a casa fechasse ou se o seu vintém suado acabasse.
O rapaz sonhava que Dona Flor transferisse seu estabelecimento para outro local, com vizinhos vivos, de preferência. Não havia atalho, nem escapatória, para se chegar e se sair da tal casa, tinha que se passar pela rua do cemitério. Para Ciço, seguir aquele caminho , altas horas da noite não era muito agradável. Ficava com os pelos em pé só de pensar que aquelas histórias horríveis que se ouvia sobre o lugar, “Deus o livre” acontecesse com ele. Muitas eram as histórias de assombração, e pouca era a coragem de Ciço. Ele sabia que para alcançar a tal da flor, teria que passar pelos espinhos, e não desistia, se virava como podia para driblar seu medo na hora de ir para casa.
Naquele dia, lá pelas tantas, depois de torrar todo o seu dinheiro, já sem crédito na casa, que não aceitava fiado, teve que seguir viagem. Pegou sua bicicleta e ficou na porta do estabelecimento, aguardando até que aparecesse alguém para lhe acompanhar na travessia. Foi quando lhe deu uma vontade tremenda de fumar. Ao pegar um cigarro, desequilibrou-se e deixou a bicicleta cair no chão, quando conseguiu erguê-la, percebeu que um homem o observava de longe, em um canto escuro da rua. Ciço acendeu o cigarro e percebeu que o desconhecido estava parado lá há um certo tempo, quem sabe também a espera de alguém que o acompanhasse na travessia.
O tal homem fez menção com a cabeça chamando Ciço, e este não hesitou. Deu um trago, satisfeito, jogou o cigarro no chão, pisou em cima, montou na bicicleta e alcançou o tal. Para ter a companhia, seguiu empurrando-a ao seu lado. Tratou logo de puxar assunto, assim nem perceberia o caminho.
- Tá calor hoje, né? Disse Ciço, querendo se enturmar.
O estranho só balançou a cabeça, afirmativamente.
-Você sempre passa por aqui, nunca te vi por essas bandas?
O homem não respondeu, mas Ciço insistiu:
- Faço esse caminho todo dia, mas evito passar por aqui sozinho, sabe como é.
Ciço sentiu um calafrio e não conseguiu concluir a frase, pois percebeu que estavam passando bem de frente o tal do portão do cemitério.
Foi quando o estranho disse, com uma voz trêmula:
- Quando eu era vivo, também morria de medo de passar aqui!
O pobre do Ciço arregalou os olhos quando sentiu que a firmeza das pernas ia embora. Juntou o resto de força que conseguiu, subiu na bicicleta e pedalou como um velocista, sem olhar para trás. Pedalava e rezava "O Credo". Duas ações que desempenhou tão rápido, que muitas vezes embaralhava tanto a reza quanto os pedais, mas como por um milagre conseguiu virar a esquina sem cair, e desapareceu na escuridão...
Daquele dia em diante, Dona Flor perdeu seu mais fiel cliente para a concorrente que ficava do outro lado da cidade.