A ORAÇÃO DO SILÊNCIO
Usando óculos de lentes extremamente grossas, cabelos brancos (todos), uma roupa de frio azul clara, Luíza ajoelhou-se após a comunhão, como todos fazem durante a missa. No entanto ela fechou os olhos fixamente e franziu a testa num profundo êxtase espiritual, permanecendo nesta posição, imóvel durante um longo tempo. Uma música suave, executada por uma flauta e um violino com um coro de dez pessoas, compunha aquele cenário da Igreja de São Francisco, com seus altares decorados em ouro dos tempos faustos de Minas Gerais, suas pinturas bicentenárias retratando cenas bíblicas e aquela luz fraca que deixa o lugar ainda mais místico.
Ela permanecia imóvel mesmo após a bênção final e o término da celebração e da música que parecia a ela ser indiferente. Também fiquei na igreja enquanto alguns turistas observavam as obras de arte antigas que contavam histórias igualmente do passado. Luíza continuava mergulhada na sua oração e pedia insistentemente a Deus pelo seu neto. Fabrício era um garoto de doze anos e havia sido diagnosticado nele um câncer raro. O menino se tratava na capital, mas praticamente não possuía chances de recuperação. Estava muito fraco.
Ela parecia ignorar o resto do mundo e apegava-se à única solução possível: sua fé. Na verdade ela já havia cessado o pedido. Estava apenas a contemplar em seus pensamentos a cruz do Senhor, o Senhor ensanguentado no madeiro e seu sofrimento. Contemplava também a cena de Maria ao pé da cruz, e pensava naquela que ela estava carregando. Luíza consumia-se no silêncio que a levava até Deus. Seu silêncio era sua oração. O Pai já conhece sua angústia e sua necessidade e a ouve na sua ausência de palavras. Ela já tem idade avançada, caminha com dificuldade pelas ruas daquela cidade outrora movimentada e frenética dos tempos do ouro em abundância.
Foi quando ouvi o ranger daquela porta que há séculos se abre e se fecha. Mais uma vez fechada, o sacristão ficou à porta semi aberta aguardando a oração silenciosa daquela velhinha sofredora. Também eu saí devagar e aguardei no adro por uns instantes. Ela havia perdido a noção do tempo e parecia não ouvir nada a seu redor. Somente após vinte minutos ela saiu, sorrindo e se desculpando com o sacristão. Perdi a hora, dizia. E seguiu seu caminho. Subiu a passos lentos uma ladeira que leva a um casarão branco com portadas azuis, e um sem número de janelas.
Luíza parava a cada passo. Seu neto era a grande preocupação, mas não a única. Preocupava-se com a filha que não estava conseguindo superar a dor de ver Fabrício sofrer cotidianamente, preocupava-se com sua própria saúde, embora deixasse a si mesmo de lado, ainda ficava aflita com a separação do filho e da esposa, que tanto a amargurava.
É uma mulher como tantas, em ruas várias a vagar sofrimentos, em igrejas diversas a fechar os olhos e não mais pedir, apenas contemplar. Luízas existem em todas as nossas igrejas, imóveis, em êxtase, subindo e descendo ladeiras. Muitas vezes somos turistas a observar o exterior, o menos importante, ou a ficar meramente na observação ao longe da dor alheia.
Ela entrou no seu casarão, assistida pela lua cheia que penetrava sua luz por entre as cortinas de suas vidraças. Não a vi mais. As luzes no entanto ficaram acesas por longo período, até que deixei meu grupo de amigos e fui pra casa. Luíza ainda silenciou-se por muito tempo, só naquela imensa casa vazia... e fria. Chorou talvez lágrimas de angústia e incompreensão. Provavelmente pensava: por que não eu? E multiplicavam-se os pensamentos por trás daquele rosto enrugado e marcado pelo tempo, pelos afazeres, pelas dores, pelas perdas, pelos pedidos, pelos silêncios... tantos...