PRISÃO

Ele me chama agora mesmo como um amante alquebrado que ainda tenta uma última reconciliação.

Ele, o Tempo que me come e vomita e me faz ser mais cínica do que planejei quando tinha dezesseis!

É que eu não sabia então, que não sou pessoa e que as pessoas eram mais do que eu suportaria e eu então ria, superior...

Idiota, idiota que pairei por sobre os risos, que provoquei gemidos e choros lamentosos de quem não entendia que meu ódio era eu e sem ele eu jamais sobreviveria...

Sobreviver sempre foi a primeira regra que norteou minhas passadas afundadas no lodo pantanoso em que mergulhei ao compreender que a vida que eu viva não era a minha, mas a de outra pessoa.

Que direitos tem quem não tem uma vida a viver?

Foi quando decidi não ser pessoa e o preço não foi alto, altas foram as horas das madrugadas embriagadas em que não pude chorar.

A liberdade é o direito de chorar e gritar alto sem que ninguém me tape a boca e me mande calar.

Não me calo, se os calos que trago nos ombros são espelhos dos meus gritos que não soltei antes e aos que hoje tenho o mais pleno direito!

Se no meu peito não há paz, tanto faz, que me importa?

Já nasci morta, condenada ao que chamam de destino, sorte ou fortuna que sorri dentes amarelos e hálitos azedos que me enojam até mesmo do mais puro sorriso que alguém um dia me deu, sem ter a menor chance de receber algo que não a minha sede de ser eu, somente eu, apenas eu e mais ninguém.

Nunca houve espaço vazio a preencher, nunca sonhei em conhecer alguém, não me deixaram ter sonhos, só pesadelos.

Os pesadelos são vívidos ainda e são eles que me fazem sorrir, ainda e sempre superior:

Que sabem da dor os que a superaram?

Que sabem do horror os que o lamentam?

Que sei eu, meu deus, meu demônio, minha carne cortada sob as garras afiadas do amor que devo dedicar ao meu algoz?!

Como impedir-me de engulhar a cada abraço, a cada beijo, a cada declaração de amor singela e rotineira nesta minha vidinha podre de tantas décadas tentanto não ver, não sentir, não pensar, amar e ser amada, já sabendo que não havia amor em mim posto que esta palavra foi feita sinônimo do peso e do soco e do sêmem gotejando no meu rosto?

Como não ser mais eu, sendo menos eu de um jeito que não seja?

Como?

Pensei, um dia, que teria uma chance, um alívio, que a morte seria uma vingança satisfatória contra mim mesma e tudo o que usufrui e gozei e permiti quando ainda não era tarde demais para arrependimentos e recomeços.

Idiota, idiota, idiota...

É só a palavra que me soa agora, desde quando percebi que fechei todas as portas por que apenas uma um fora arrombada.

É que esta porta arrombada fodeu com tudo o que eu ousasse pensar, com tudo o que não ousasse e com tudo o que nunca ousei.

Não ousei crer na felicidade, e perdi o tempo da inocência, pulei esta aula, não aprendi nem compreendi que a vida seria apenas o resto do que vivi!

Ainda tenho 5 anos de idade!

Nunca saí de lá.

Estou, estive, fiz-me presa na cela da infância e não consegui nem quis nem tentei sair.

Foi uma escolha consciente.

Pena que eu não percebesse na época.

Iama K
Enviado por Iama K em 02/09/2011
Código do texto: T3197432
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