Interminantemente
Sentou perto da janela e esperou a morte chegar. Na cadeira, balançando ficou... o mesmo pendular... monótono pendular... esperava a morte na mesma cadência dos dias que passavam amarelos pela janela... e as noites prateavam o chão do cômodo vazio, apenas a cadeira e a sombra que ia e vinha pelo chão enluarado. Assim ficou, calmo... pálido... taciturno. Absorto na espera... A morte nunca chegava! Mas ouvia segredos soprados nos seus ouvidos... sangue, guerra, fome, carne dilacerada, culpa! Inocentes, virgens, gás, gritos, dor! Segredos que rodeavam, atormentavam, mas não aumentavam o balançar lento da cadeira, não preenchiam o vazio, não enrubreciam o semblante... sempre tão branco. A culpa não mudava o ritmo, os estouros das bombas não minimizavam o silêncio do quarto. Mas por dentro, em seus pulmões, o estopim da guerra respirava, pulsava a tensão no peito, no sangue corria os sangues dos soldados trucidados, a carnificina pregada na garganta, no estômago o gosto da morte. Mas a sua não chegava! O pendular era a sua penitência... condenado à espera. Sério... compenetrado em pagar pelos pecados, fora julgado pela consciência que esmagava o pouco de lucidez que ainda restava. Não deixava a cadeira perder o balançar. A pele intacta! A carcaça firme, corpo petrificado, embora desabassem os órgãos, embora os ossos virassem pó. Jazia por dentro, mas não morria por fora! E por não morrer por fora, o pendular não cessaria jamais! Não morreria jamais por inteiro! Estava condenado à meia morte! Penitente, a balançar interminantemente!
Raquel Zichelle (02/10/2009)