O CACHORRO QUE COMIA CHOCOLATE
O CACHORRO QUE COMIA CHOCOLATE
O vilarejo era formado por planície, mar e montanhas. O mar, com ondas que pouco se alteravam, lavava as areias brancas constantemente como se quisesse participar da brincadeira de roda das crianças da escola que tinha a praia como prolongamento do seu pátio de recreação. Da montanha descia um curso-d’água que logo se transformava numa linda cachoeira e, após serpentear a planície, formava um lago antes de lançar-se ao mar. Na planície, além do pequeno núcleo residencial, havia uma enorme plantação de cacau. A maioria dos moradores daquele vilarejo vivia da plantação e da colheita daquele produto. Havia roças com outros produtos agrícolas, mas normalmente colhiam para sua subsistência. A pesca era pouco explorada. A vida dos roceiros era maçante, monótona e cansativa. Esta monotonia só era quebrada quando os caminhões apareciam para recolher a colheita e no dia da festa do cacau. Por ocasião da festa do cacau, quando se elegia a rainha do chocolate, apareceu no vilarejo um senhor alto, forte, de cabelos e barbas grisalhos, óculos escuros, com uma gravata azul com listras vermelhas e brancas, falando com sotaque estrangeiro. Estava acompanhado de mais dois homens de calças jeans e paletó, sem gravata e uma mulher de óculos escuros, salto alto, elegantemente vestida, com a qual o engravatado conversava em língua estrangeira. Circularam pela plantação de cacau, entre as residências e, antes de ir embora, foram até a praia, fotografaram a escola, o encontro da cachoeira com o mar e partiram. Meses mais tarde os dois homens voltaram e deram início a construção de uma enorme fábrica de chocolates. Quando a fábrica ficou pronta, outras pessoas vieram morar naquele lugar. A monotonia acabou. As pessoas passaram a conversar mais, ressurgiu o amor entre elas. Até os animais pareciam mais alegres. Um cachorro que antes passava o dia inteiro dormindo na pracinha da capela, mas que acompanhara os movimentos do engravatado na primeira visita começou a caminhar pelas ruas. Ia até a porta da fábrica todos os dias pela manhã e ao final da tarde. Durante o dia visitava os cacaueiros varias vezes.
O cachorro era de porte médio, tinha pelos nas costas na cor de chocolate, na barriga tinha pelos brancos e no peito uma mancha preta, na altura do coração. Por sua altivez passou a receber alimento de todo mundo. Comia de tudo, até chocolate. Apesar disso, aquele cachorro não parecia contente, continuava suas idas e vindas até a lavoura de cacau. Raramente ia até a praia, mas mantinha sua pontualidade britânica na porta da fábrica. Numa destas raras vezes que ia a praia parou em frente à escola durante o intervalo da aula, no horário da merenda. Um grupo de alunos, depois de lhe darem a sobra de seus lanches começaram a acariciá-lo. O animal, correspondendo aos carinhos, começou a balançar a cauda e as orelhas de felicidade, se entrelaçando nas pernas das crianças, rolando no chão e colocando as patas pra cima como se pedisse afago na barriga, latindo suavemente. Quando deu o sinal de entrada para os alunos retornarem à classe, o cachorro saiu em disparada pela praia, junto ao mar, com as patas submersas espirrando água o mais longe que podia, dava cambalhotas no final da praia e voltava, depois foi até ao lago mergulhou, nadou, nadou e foi até a escola chacoalhou os pelos para tirar o excesso de água, deu três latidos em forma de agradecimento pelo carinho e voltou para a pracinha.
A professora que observara todo aquele movimento aproveitou o momento para falar de amor e carinho entre as pessoas incluindo os cuidados com os animais domésticos ou domesticados, além dos demais animais que compõem a fauna e dão equilíbrio ao eco-sistema, observando a extinção de alguns desses animais de forma predatória é considerado crime ambiental. À noite, tendo a lua cheia como testemunha, a professora encontrou sua grande paixão, seu namorado, ao qual contou a história do cachorro com as crianças, ocorrida naquela manhã e sugeriu que o adotassem. Ele respondeu que não tinha onde colocá-lo. Ela então que ofereceu o quintal da casa dela e pediu que ele construísse ali uma casinha para o cachorro. Assim o fizeram. Todos os dias a professora dava-lhe de comer e beber e um carinhoso abraço. Ele a acompanhava até a escola onde passou a ser querido e acariciado pelos alunos e voltava a sua rotina de visita a lavoura de cacau e a fábrica de chocolates.
A fábrica, periodicamente, recebia visitas de pessoas do mundo inteiro e um desses visitantes vendo o cachorro se interessou por ele e começou a fazer varias perguntas ao seu respeito até chegar à professora. O visitante contou-lhe, então, sobre uma raça de cachorro em extinção, da Dinamarca, onde havia uma cadela e os dinamarqueses estavam em busca de um exemplar macho, da mesma espécie, para cruzar e dar continuidade a raça. A professora ficou desconfiada e disse que ia pesquisar sobre o assunto. Justo agora que ela tinha dado um lar para o cachorro, vermífugos, vacinas e tosa higienica, queriam tomá-lo. Até nome ele recebeu. Passou a se chamar Cacau e ganhou o respeito de todos. Sua pesquisa começou com o seu namorado que trabalhava no escritório da fábrica e tinha acesso a internet. Através desta pesquisa ficou constatada a existência da tal cadela na Dinamarca e a procura de um macho daquela raça. Logo surgiu um impasse, como provar que o Cacau era mesmo o cachorro procurado? Através do sangue. Combinaram através da internet, fazer uma troca de amostra de sangue, assim foi feito. Foi uma amostra pra lá e veio uma pra cá. Em ambas as análises deu positivo. Cacau era mesmo um cachorro dinamarquês que comia chocolates. Com a ajuda da associação de proteção dos animais, Cacau viajou para Dinamarca. Um ano depois Cacau voltou com dois chocolatinhos, digo, dois filhotinhos, um macho e uma fêmea, deixando na Dinamarca o mesmo número de chocolatinhos.
Assim me contaram, assim contei a vocês, quem gostou conte outra vez.
Esta história foi criada por: Ivo De Souza .