Tombado
"Vejo o ciúmes como uma janela aberta e desconhecida na nossa própria vulnerabilidade em que avançamos sem saber o que há do outro lado. Um espelho de nós mesmos, refletindo nós mesmos; Narciso se olhando nos olhos de dentro do olho do furacão. Tal como um colchão largado num terreno baldio qualquer - é assim que me sinto depois do fim". Estou inchado de umidade. Estou empanzinado do caleidoscópio ininterrupto e repetitivo dos diálogos que arregimentaram nosso fim. Entre um cigarro e outro, entre uma bobagem e outra, redijo uma carta que não sei se te enviarei. Eu sou esse cara que é sustentado pelos pais - "mimado", como você disse tantas e tantas vezes - que está na janela do quarto desarrumado do homem solteiro, no décimo quinto andar, ouvindo ao longe a mulher do tradutor do Google pronunciando um texto de dez mil palavras traduzidas pro alemão só pra não se sentir sozinho com os fones no talo ouvindo "viveu, morreu na minha história" e que gostava tanto de você. A tal carta: empaquei, como todo bom burro. Rodei todo o apartamento abrindo e fechando torneiras. Bebi café e escovei os dentes. Tudo para ter algum vislumbre repentino da próxima palavra a ser escrita. "Te deixei, porra, por dado momento ter começado a me sentir um objeto de adoração e desse momento em diante ter passado a me sentir tão oco quanto um". Eu sou esse cara, meio patético, que acumula bolas de papel. As más idéias retorcidas e vincadas. Esse cara meio sozinho e doente se olhando no espelho há meia hora. Com o olho seco. Contando quantos segundos consegue ficar sem piscar. Volto ao papel e caneta. E desisto. É nisso que sou bom: desistir. "D-E-S-I-S-T-O", rabisco. Cuspo janela afora. Apago a luz do abajur. Ouço o tiquetaquear do relógio. Vejo a chuva investindo contra o vidro da janela. Os neóns em gotículas que escorrem. E me encolho. E me preparo para a primeira madrugada depois do fim.
Morcheeba - Blindfold
28/08/2011 - 29/08/2011