A HERANÇA
O sol poente, de um intenso alaranjado, forma uma linda barra no horizonte, cena típica do final de tarde no verão cáustico do Sertão Nordestino. O estalar dos arbustos secos e o barulho das arribaçãs pareciam complementar, como em uma sinfonia, o barulho dos chocalhos das vacas que Antônio Mariano conduzia para o curral. Eram aquelas poucas rezes que na manhã seguinte alimentaria os filhos e completaria a renda daquele valente agricultor do sertão do Rio do Peixe.
Já na porteira, Mariano se adianta do gado para dar passagem ao pequeno rebanho. Debruça-se sobre a sela para alcançar a primeira trave, quando ouve um estampido que veio de uma cerca de varas bem próxima dali. O impacto lhe arremessa ao solo enquanto o animal, assustado sai em disparada. Era uma emboscada. O tiro lhe atinge o ombro esquerdo o que lhe daria condições físicas de reagir, estava também armado. A experiência lhe dizia para não fazer isso, certamente estavam mais bem preparados. Em meio ao velame fechado, matreiro, Mariano leva com as mãos o sangue que lhe jorra do ombro ferido para sobre os olhos e permanece ali inerte fingindo estar desacordado, esperando resignado qual seria o desfecho daquele momento.
Ouviu o barulho de uma arma ser manejada e outra vez o estampido do tiro que lhe atordoaram com um zumbido forte em seus ouvidos. Desta vez o tiro lhe acerta o joelho esquerdo e ele continua de bruço, como se abatido. Passos segue em sua direção e ele sente o peso de uma bota sobre a sua cabeça empurrando-a para um lado.
- Esse já era!
Diz um sujeito a outro, ao ver o rosto de Mariano repleto de sangue já em coágulo, que ele levara com as mãos para sobre os olhos.
O barulho de um animal em galope apressa a retirado dos seus algozes, que parecia ser dois. Estes correram em direção à caatinga no lado oposto da estrada. A fala do segundo, um pouco mais distante, parece ser familiar e Mariano se arriscar a dar uma olhada com um movimento sutil da cabeça em direção à estrada. Não podia ser. Fugia em desespero do local, juntamente a outro que ele não conseguiu identificar e que empunhava uma arma, o seu irmão mais moço. Era filho adotivo. O pai de Mariano o levara com cerca de oito anos de idade para criar. Era filho de uma moradeira que havia morrido ainda jovem e o pai abandonou os três filhos pequenos e sumiu daquelas bandas. O menino fora criado como da família, afinal Mariano já era quase um rapaz e não havia aparecido mais filhos, um sonho dos seus pais.
A morte do Pai de Mariano há um mês dá motivos a uma desavença entre os dois. O rapaz não se conteve em não sendo registrado como filho, ficar, como herança, apenas com um pequeno roçado no quintal de uma casa de alvenaria que ele construira antes de casar. Mariano reluotu em ceder-lhe um pouco mais da herança, uma boa extensão de terras, deixada pelo seu pai e se instalou uma querela que culminara com este ato extremo do irmão adotivo.
O animal que vinha a galope passa distante dali. Perdendo sangue Mariano sente-se enfraquecido e se entrega à própria sorte, quando ouve barulho de um animal encostando.
Do cavalo desce um cavaleiro apressado que com muito cuidado põe Mariano nos braços e com esforço monta o seu animal levando-o no colo. Este, cavalga em disparada rumo a cidade que ficava a cerca de quatro quilômetros dali.
Mariano mesmo abatido percebe a respiração ofegante e os suspiros de um choro compulsivo do homem que o leva com tanto cuidado. Num esforço ele abre os olhos e surpreende-se ao contemplar o rosto banhado em lágrimas do irmão que há pouco ele vira fugir do local onde fora baleado.
Passam-se os dias e Mariano se restabelecia. Durante esse período o irmão lhe visitara todos os dias e tomou conta de tudo enquanto ele não podia assumir a lida diária. Ele nada falou para os familiares e amigos que tanto insistiam na reconstituição do ocorrido na tentativa de encontrar os culpados.
De volta à normalidade Mariano soube de que seu irmão adotivo vendera o pequeno roçado e estava indo embora com a família. Resolve então lhe fazer uma visita antes da partida. Leva consigo um presente. Em um envelope Mariano lhe entrega uma escritura onde lhe doava metade de tudo o que os pais haviam lhe deixado como herança.