Aprendendo as regras
 

Em cidade do interior tudo se sabe, as novidades correm, as redes de informação estão sempre atualizadas. Acredito até que o Orkut e Facebook se inspiraram nesta capacidade de tornarem qualquer fato pitoresco em uma fonte de estórias e fofocas que o povo do interior faz muito bem. Como sempre, as estórias contadas são superlativadas, tornando verdadeira a máxima de quem conta um conto aumenta um ponto. 
Naquela época eram poucas as escolas públicas, normalmente as crianças tinham que andar três a seis quilômetros, no dito interiorano, de meia a uma légua de distância, passando na maioria das vezes por caminhos de barro, trilhas ou atravessando pinguelas para se chegar à escola. Algumas crianças privilegiadas vinham em carroças puxadas por burros, na garupa de cavalo de algum parente, ou até mesmo de bicicleta, o que era raríssimo. A maioria mesmo ia e voltava a pé, fizesse sol ou chuva, frio ou calor, com um detalhe, descalça.
 Por todos esses motivos a tolerância ao atraso era grande, os professores faziam vista grossa e não criavam problemas quando um aluno chegava com um atraso de dez minutos, por exemplo.
Foi nessa época que veio para dirigir a escola o professor Francisco, um homem rigoroso e severo, nascido e criado na capital.
A primeira providência do novo diretor foi por ordem na casa e começou pelo horário da entrada dos alunos. Pontualidade é tudo, dizia ele, por isso os ingleses são prósperos.
Na primeira semana, todas as cadernetas – outra novidade introduzida ao sistema – vieram com anotações de atraso, que os pais tinham que tomar ciência. Lá estava a minha caderneta com três anotações na primeira semana.
Meu pai que nunca primou pela pontualidade, mas que abominava ser chamado à atenção, principalmente por problemas decorrentes dos filhos, logo deu o recado:
- se tiver alguma outra anotação na sua caderneta, a vara vai cantar!
A saída era acordar mais cedo, deixar tudo preparado de véspera para não atrasar.
Em casa já havia um ritual, todos tinham que tomar banho antes do jantar, dormir com os pés limpos e não sujar os lençóis. Eram muitas as regras que tínhamos que seguir. Quem suja limpa, quem tirar alguma coisa do lugar tem que devolver. Cada dia da semana tinha uma tarefa distribuída entre os irmãos, varrer a casa, varrer o quintal, lavar os urinóis das nossas avós. Agora mais essa, acordar vinte minutos mais cedo. Isso era realmente um transtorno.
No primeiro dia da nova ordem instituída o despertador tocou e não acordei ou acordei e não levantei. Quando vi a hora me apavorei, vem aí nova anotação e a vara vai funcionar...
Troquei rapidamente a roupa, peguei uma banana e dispensei o café com leite, pão e manteiga e saí em disparada para chegar no tempo certo. Aquela légua foi a mais longa da minha vida e a que mais rapidamente consegui superar. Passei sobre a pinguela correndo sem imaginar o perigo que corria, mas cheguei a tempo, todo suado, com minha camisa ensopada.
O inspetor quando me viu naquele estado, pediu a carteira para anotar a irregularidade e eu, na frente de todo mundo me ajoelhei e pedi.
- Não faça isso, por que senão vou levar uma sova.
- Quem vai lhe dar uma sova?
- Meu pai.
Ele não anotou e no dia seguinte o meu pai, o pacato cidadão que tinha fama de não matar uma só mosca, foi desmascarado e todos falavam de um pai tirano que ameaçava os filhos.
Ainda bem que a estória não chegou aos seus ouvidos, ou se chegou, ele fez ouvidos de mercador...