Talvez amanhã
Sobressaltado, acorda e olha no relógio. Onze da manhã. Estava dormindo e acordando cada vez mais tarde. Ainda sonolento se levanta e vai até a porta. Os passos ecoam na casa vazia. Pára um momento na sala e aguarda, podia jurar ter escutado alguém chamando. Não há ninguém à porta.
Liga a televisão, mais para escutar qualquer som que para assistir. Nada parece interessante ultimamente. Vai à cozinha e pega a garrafa térmica. Está parcialmente cheia. Tenta se lembrar quando fez o café. Inútil, não se lembrava nem a que horas dormiu na noite anterior. Enche uma xícara que já estava na pia, parecendo suja. O café está gelado. Bebe com uma careta. O telefone está tocando?
Volta à sala e pega o aparelho. Nada. Deve ser apenas a dor de cabeça recorrente de todas as manhãs. Manhãs? Belo eufemismo. Enfim, os efeitos indesejáveis da habitual receita pra dormir. Se é que realmente pode se chamar assim. Tanto a receita quanto o sono.
Procura restos na geladeira e se senta na sala. Tenta comer, mas não sente fome. Na verdade nestes dias não parece sentir nada, nenhuma vontade, interesse ou mesmo sono. Uma garrafa vazia está caída ao lado do sofá.
Resolve ler um pouco e percebe que a tarde já vai pela metade. Pega um dos livros que está relendo. Livros e filmes repetidos eram comuns. Talvez por não precisar prestar muita atenção.
A luz que vem da janela praticamente sumiu e resolve tomar um banho. Por mais que passasse dias sem cais de casa era algo que não deixava de fazer. Pelo menos isso. Sob a água quente perde a noção do tempo, não que se preocupasse com isso verdadeiramente. Sai do chuveiro sem se barbear ou pentear os cabelos. Não via necessidade alguma nisso.
Põe água para ferver, pelo menos amanhã a garrafa térmica vai estar cheia. Termina de fazer o café e toma uma xícara, que não lava, mas se sente um pouco melhor. Do armário tira outra garrafa, esta pela metade.
Escolhe qualquer filme repetido para assistir e volta ao sofá, onde mais uma garrafa vazia vai estar na manhã seguinte. A sala está completamente escura, mas não acende as luzes. Pega a garrafa vazia ao lado de sofá e volta para cozinha.
Enquanto joga uma fora pega outra quase terminada que estava sobre a mesa. Não pega nenhum copo. Mesmo sem saber que horas são, sente que vai ter dificuldades pra dormir, de novo. Cada vez mais filmes repetidos, menos tempo na cama e mais garrafas vazias.
Outro dia vazio, e outra noite vazia. Mas amanhã pode haver um telefone tocando, pode haver alguém à porta. Um recomeço, nestes de poeira suspensa e luzes apagadas. De repetições e espera. De inércia e insônia. Talvez amanhã.