Entrega a vida

Ele parece um menino novo, deixou a barba crescer e não adiantou. A barriga grande igual do pai, Aprendeu a beber a fumar, a correr atras de puta . falar grosso. Olhar firme dentro da bolota do outro pra dizer que é coragem. Foi trabalhar longe, passou misericórdias, só pra dizer que estava livre. Só pra ser homem, entrou numa academia de facão, cortava o ar, como um samurai do sertão, madeira e mandacaru virava dois ou três com sua lamina.

Se alguém olhasse feio ou levantasse a voz, partia pra cima, homem não aguenta isso não. Homem é mais antigo do que Jesus, é olho por olho, e porrada comia, batia até o miserável cair sem forças. Passava uma garota

Ia atras, deixava essa quando abatida e partia pra novas aventuras de macho.

Olhava o céu e via so uma tampa que cobria o mundo, um azul de frescuras.

E foi que um dia, andando pelos cantos da ribanceira do rio, voltando

De uma caça, espingarda no ombro e o embornal, entupido de frango-d’água abatido. Olhou numa distração anormal que o céu era diferente dos outros dias. Dali daquele ponto tudo, se transformava quando se olhava com insistência. Baixou a vista entorpecida pela claridade, quando fugia, viu a beira do rio, peixinhos pequenos, com pintas douradas e negras, brincando das pequenas ondas transparente que se fazia com o vento.

Seu coração que até ali, era duro como era dura a vida que pisava, se acelerou. Teve medo, não o medo da onça ou de apanhar, medo de se saber vivo, de ver que tudo estava vibrando ao seu redor. Sentiu dores nos pés, sentiu que estava cansado e os tornozelos apertava. Sentou no barranco, vencido, pela insistência de algum mistério, que dourava por dentro como se seu sangue tivesse cor, como se corresse, como uma tormenta carregada de tons laranja e vinagre.

Pela primeira vez em baixo do céu se viu. Viu o medo abissal de se saber vivo, Se ver corrente, como se tudo fosse beleza que pairava nos seus olhos, mesmo o que era feio, agora parece importante, como uma clausura pra proteger o moça bonita do mal.

Viu que no final de suas vista nada existia, mas se andasse mais um pouco aparecia mais coisas, como se o pico do mundo estivesse sempre se levantando, crescendo conforme se tem coragem de andar e apreciar o que está alem da linha, que nos separa da dor...

Lembrou , com o clarão que agora permitia entrar, os tempos de criança, quando saia com o pai, e mãe, quando recebia o riso alegre e cheio de malícia das meninas que se sabiam já mulher. Lembrou do olho fechado que só via nesses olhos que parece céu, uma segunda natureza, um adorno usado pra ferir e matar.

Abriu o embornal e viu os passarinhos mortos, mesmo mortos bonitos,

Sem o força do céu, sem as asas abertas contemplando os cantos de baixo. Dentro do saco, três bichos , apertados, sem nada mais do que o fim.

Entrou no rio e viu que quanto mais andava, mais fundo ia ficando teve medo, de ir tão fundo, cobrir seus olhos e o céu ficar opaco, e não poder de novo ver como a alto fica vivo quando os pássaros migram, mudam de lugar e bate asas fortes, e mais forte ainda quando o vento empurra o contrario.

Deitou na areia, quem via de longe parecia um doido, um maluco que perdeu a estribeiras, sem viver na razão do homens loucos, apertou suas unhas contra o chão, ferindo a terra, como fere uma mulher quando essa explode nos braços de quem ama. Derramou-se sobre o cascalho confundido com terra, morreria naquele momento. Foi crescendo dentro dele, um murro pra dentro, uma mão que agredia suas tripas com fome de matar, uma garra de destruir, de se fazer desistir.

Ele se deixou morrer, se deixou matar, e quando sua agonia era como rio seco, chorou, chorou gritos de uma criança desesperada, e suas lágrimas, eram chuvas que molhavam as plantas.