ETHIOPIA - Moço! Você viu este homem? É meu pai.
Naquela hora, os passos intensos abriram cordilheiras de dificuldades por onde passava o menino Raffem, que não cessava as pálpebras na sina desconhecida e arrepiante. Já distante do lar, Raffem de apenas sete anos de idade, trajava uma camisa de malha azul com listras diagonais nas cores vermelha e amarela e um short de tons sortidos. A epiderme escura da face transmitia o cansaço alterado pelas variações térmicas daquela localidade onde as pessoas apressadas carregavam seus pertences em animais fugindo das mais severas agressões humanas – A guerra.
Era o dia 02 de fevereiro de 1999, o conflito entre a Etiópia e Eritréia se arrastava num recipiente de selvageria e descontentamentos nos raios das fronteiras de Badme, eclodindo entre os lugarejos e cidades Etíopes. Vandalismos, assaltos, estupros, invasões e assassinatos eram as marcas comuns demarcados pela triste onda de violência nos dois países mais pobres do planeta. Acusações desenfreadas e uma população mais miserável ainda, não suportavam as dores que se alastravam pelas ruas e vielas poeirentas entre as choupanas redondas. Nem mesmo as tropas do exército etíope não contiveram o fluxo da invasão por diversas áreas tribais e agrícolas do Chifre da África entre tantas montanhas, vales e planaltos na extensa diversidade da exuberante vegetação e climática.
Sem nada entender, Raffem segurava firme nas mãos uma fotografia num saco plástico, e observando os horrores nas portas marcadas por sangue e tiros, ultrapassava nas janelas do tempo o mais sombrio retrato da falência da existência. Ao encontrar uma mulher vestida numa roupa tradicional com saia longa e um véu lilás, o pequeno Raffem indaga:
-Ei! Por favor! O que tá acontecendo por aqui?
qual a razão das pessoas sair?
A mulher desceu o saco de roupas das costas, abaixou-se, e disse:
-É guerra meu filho. Vá pro Sul o quanto antes. Peça ajuda.
Naquele momento, o guri abriu o saco plástico com cautelas e mostrou, indagando:
-A senhora viu o meu pai? É este homem aqui da foto. Eu tô procurando por ele e não vejo ninguém pra me dá notícias.
-Não vê garoto que ando apressada. Não. Não o vi. Com esse corre-corre nem sei para onde vou. Está tudo acabado por aqui. Vá logo meu filho pedir ajuda, você é pequeno demais.
Sem dar importância, a senhora saiu acelerada pela viela despovoada com a trouxa nas costas. Em seguida, um barulho repentino de uma camioneta rasgava em alta velocidade o vilarejo com vários milicianos na carroceria e um céu de poeira infernal ficava para trás. Ao presenciar o veículo o garoto se escondeu nos escombros de uma choupana queimada, ouvindo uma grossa rajada de tiros. Após uma presencial calmaria, o guri abre uma fresta no esconderijo e nota a mulher caída a mais de cem metros. Apressa-se, e ouve a mulher dizer as suas últimas palavras.
-Você é tão pequeno... Vá logo pro Sul, meu filho! Vá log... Suplicou a mulher.
-Senhora! Não feche os olhos, ouça-me! Não morra, por favor!
Uma lagoa vermelha descia aos pés do meninote, e as lamúrias venciam a meiga face negra da criança que se despedia das manobras da vida. E dali, partiu o menino com as mãos conspurcadas de sangue segurando o único portal da experiência numa fotografia.
Em Adis Abeba, o tumulto ocasionado pela invasão do território abalava cada habitante, e as forças militares etíopes nas ruas e esquinas reforçavam a segurança. Tiros acirravam o céu em várias direções, e a noite se conectava no absurdo dos homens na miragem das armas da fome.
Percorrendo a pé muitos lugarejos, Raffem se desespera com o entardecer longe de casa ao ouvir bombas abrindo clarões nos horizontes. Sozinho, agoniza-se com a fome e a sede que bate na garganta e no abdômen. Cansado e com os pés feridos, descansa o guri ao lado do caule de uma grande árvore, adormecendo sem entender o verdadeiro sentido das consequências em que o homem é detentor.
A madrugada advinda dos penhascos e vales assoprava naquele hostil planalto, a ansiedade vestida num tom cinzento da mente humana hipnotizado pelo conteúdo das bárbaras ações, reproduzia um filme arrasador na vivência daquele magro maroto de pernas finas. A mão direita levada ao peito afirmava a segurança da proteção do pai através de uma foto que cobria o minúsculo corpanzil assolado pelas torrentes de calor. E o dia nasce impetuoso, arrogante e leve na mesma proporção da esperança carregando enormes feixes de luzes na acelerada hora que não domina os ímpios homens.
O miúdo abre os olhos e se aterroriza com o panorama desigual do seu lar, soluça e grita:
-Pai! Onde está você! Pai! Não me deixe aqui. Eu preciso...
Não termina de pronunciar as últimas palavras da oração quando ouve um ronco de um caminhão atravessando o deserto em disparada, e as horas já avançavam na tarde. Raffem pisa forte entre os arbustos e atravessa a velha estrada que leva ao Quênia, e ali no meio, permanece hirto com a fotografia do pai segura na mão. O infante olhava o veículo numa distância de aproximadamente um quilômetro com as cortinas amareladas subindo aos céus numa cauda quilométrica de poeira que ficava para trás como se fosse um cometa. Entusiasmado, o coração sacudia com mais veemência ao encontro que pudesse levar ao sul daquela fronteira distante de sangue.
Um caminhão de carga com a inscrição assinalada pelas laterais – UNICEF – sigla de Fundo das Nações Unidas para a Infância - órgão da ONU levava suprimentos ao país vizinho do Quênia. O motorista de nacionalidade americana, cor branca, forte, cabelos loiros penteados e óculos escuros, ao perceber o garoto acenando uma carona, estacionou imediatamente o veículo, desceu e indagou:
-Olá guri! Você não tem medo de morrer com o baque dessa carreta?
Falando no seu dialeto, Raffem indagou?
-Moço! Você viu este homem?
O americano observando a fotografia amassada, disse:
-Não. O que ele representa a você?
-É meu pai, moço! Me ajude a encontrar o meu pai.
-E o que aconteceu com ele? É fugitivo da guerra?
-Não. Meu pai é agricultor e trabalha nos cafezais comigo. Eu não tenho mãe. Sabe moço... Quando acordei hoje, não encontrei o meu pai em casa. E todos do meu vilarejo fugiram e outros morreram. Faça alguma coisa por mim. Sei que o senhor trabalha com muita gente e ajuda as crianças da África. Você vai me ajudar? Olha moço, não vai lhe custar nada.
-Garoto! Eu não posso fazer isso. Tenho ordens a seguir viagem ao sul. Se você puder esperar a Cruz Vermelha, ela vem logo atrás.
Insistiu Raffem, esfregando os olhos com a mão esquerda, e disse:
-Me leve a qualquer lugar moço. Eu só quero é encontrar o meu pai. O senhor não tá falando a verdade. A Cruz Vermelha não cruza mais as estradas depois das seis horas da tarde.
-Não insista garoto travesso. Já disse que não posso levar passageiros. Você quer um sanduíche e um refrigerante geladinho?
O menino recebeu, olhou e nada disse. E o caminhão truck da UNICEF acionou o motor e partiu. Ainda com um pedaço de força, Raffem lançou fora o sanduíche e o refrigerante, agarrando-se no para-choque traseiro sem largar a fotografia do pai. Já com quatro horas de viagem, Raffem não tremia de medo, e sua pele negra havia se transformado na coloração amarela da poeira do deserto. E nas areias cortando o vento, o veículo fez uma manobra inusitada entre os buracos e cascalhos espalhados do estradão carrancudo. E naquele instante, Raffem caiu adormecendo no calor intenso.
Com o braço quebrado e a perna direita machucada, ainda sangrando, risca dos céus azuis mantos negros em disparadas, realizando acrobacias invejáveis ao olho humano. Eram abutres em busca do minguado corpo lançado naquele descampado meio. Pulando de um lado para o outro na alegria e próximo ao corpo, Raffem abre as pupilas e mexe com o braço, oportunidade em que voam. Já acordado, levanta-se com dificuldades através de um galho seco e se defende dos sanguinários. Já bastante desnutrido, o garoto etíope ainda consegue pegar alguns gafanhotos gigantes com o gancho seco e com leve batida na extremidade da cabeça, assim, sacia a fome miserável.
E as horas despontam na tarde longa do desespero. De imediato, a criança cobre os ferimentos com folhas verdes, evitando as moscas, retirando do corpo a camisa sórdida que serve de tiras para proteger o corte, e a dor que não para na perna esquerda.
Não demora as luzes da Toyota branca riscava o lado da estimativa, e Raffem perpetrava como uma estátua no meio da estrada, seduzido na perspectiva de encontrar abrigo e o pai desaparecido. Seguro com um pau seco, dali não se afastava o menino. A Toyota realizou uma frenagem rápida pela direita, e ali permaneceu o garoto aguardando providências. Diminuindo a marcha, observou Raffem uma carga enorme na carroceria coberta com uma lona. Uma voz masculina sobressaía num tom forte, dizendo:
-Venha! Venha! Suba por aqui amigo. Venha! Venha logo! Ei! Não pare! Segure na minha mão.
Um rosto também miúdo de igual idade abriu a lona da carroceria pelo outro lado, e lançava insistentes acenos e gritos:
-Por favor! Venha amigo, aqui tem um lugar pra você.
Raffem se locomovia na direção do braço estendido à frente, debilitado com a perna, segurava o garrancho da esperança e a outra acenando com a fotografia do pai na derradeira tentativa de alcançar a mão. As lágrimas se repartiam na face amarelada de uma jornada sem trégua descendo o rosto. A voz agitada reclamava:
-Não! Espere motorista! Leve o amigo que tá doente.
A outra voz de menor potencial rebatia com as mãos na Toyota em protesto.
E o minguado etíope caía no chão com o arranque do veículo, apenas um vendaval lhe cobria de poeira no conforto infeliz que uma vida possa receber. As duas crianças negras na carroceria da Toyota suspendiam os braços em prantos. Um rápido raio vindo da luz solar, engoliu o coração do menino. Este era o verdadeiro filho de Alá que tombou e se elevou na grandeza do pai.
Entre todos os contornos, os propalados pensamentos humanos, não serão a pobreza, a raça como o desmantelo das classes sociais, e tão pouco o condicionamento direcionado das populações diversificadas no meio social, político e religioso. O homem não mede esforços para sinalizar um caminho para a paz. Contudo, encontra-se abertura para semear as diversas pretensões na rivalidade descomunal ao semelhante, gerando a guerra. E se inclui na ausência do pleno conhecimento de sua existência entre verdades e aleivosias.
Créditos: Imagens do Google
Conto escrito em 14 de fevereiro de 2000
Naquela hora, os passos intensos abriram cordilheiras de dificuldades por onde passava o menino Raffem, que não cessava as pálpebras na sina desconhecida e arrepiante. Já distante do lar, Raffem de apenas sete anos de idade, trajava uma camisa de malha azul com listras diagonais nas cores vermelha e amarela e um short de tons sortidos. A epiderme escura da face transmitia o cansaço alterado pelas variações térmicas daquela localidade onde as pessoas apressadas carregavam seus pertences em animais fugindo das mais severas agressões humanas – A guerra.
Era o dia 02 de fevereiro de 1999, o conflito entre a Etiópia e Eritréia se arrastava num recipiente de selvageria e descontentamentos nos raios das fronteiras de Badme, eclodindo entre os lugarejos e cidades Etíopes. Vandalismos, assaltos, estupros, invasões e assassinatos eram as marcas comuns demarcados pela triste onda de violência nos dois países mais pobres do planeta. Acusações desenfreadas e uma população mais miserável ainda, não suportavam as dores que se alastravam pelas ruas e vielas poeirentas entre as choupanas redondas. Nem mesmo as tropas do exército etíope não contiveram o fluxo da invasão por diversas áreas tribais e agrícolas do Chifre da África entre tantas montanhas, vales e planaltos na extensa diversidade da exuberante vegetação e climática.
Sem nada entender, Raffem segurava firme nas mãos uma fotografia num saco plástico, e observando os horrores nas portas marcadas por sangue e tiros, ultrapassava nas janelas do tempo o mais sombrio retrato da falência da existência. Ao encontrar uma mulher vestida numa roupa tradicional com saia longa e um véu lilás, o pequeno Raffem indaga:
-Ei! Por favor! O que tá acontecendo por aqui?
qual a razão das pessoas sair?
A mulher desceu o saco de roupas das costas, abaixou-se, e disse:
-É guerra meu filho. Vá pro Sul o quanto antes. Peça ajuda.
Naquele momento, o guri abriu o saco plástico com cautelas e mostrou, indagando:
-A senhora viu o meu pai? É este homem aqui da foto. Eu tô procurando por ele e não vejo ninguém pra me dá notícias.
-Não vê garoto que ando apressada. Não. Não o vi. Com esse corre-corre nem sei para onde vou. Está tudo acabado por aqui. Vá logo meu filho pedir ajuda, você é pequeno demais.
Sem dar importância, a senhora saiu acelerada pela viela despovoada com a trouxa nas costas. Em seguida, um barulho repentino de uma camioneta rasgava em alta velocidade o vilarejo com vários milicianos na carroceria e um céu de poeira infernal ficava para trás. Ao presenciar o veículo o garoto se escondeu nos escombros de uma choupana queimada, ouvindo uma grossa rajada de tiros. Após uma presencial calmaria, o guri abre uma fresta no esconderijo e nota a mulher caída a mais de cem metros. Apressa-se, e ouve a mulher dizer as suas últimas palavras.
-Você é tão pequeno... Vá logo pro Sul, meu filho! Vá log... Suplicou a mulher.
-Senhora! Não feche os olhos, ouça-me! Não morra, por favor!
Uma lagoa vermelha descia aos pés do meninote, e as lamúrias venciam a meiga face negra da criança que se despedia das manobras da vida. E dali, partiu o menino com as mãos conspurcadas de sangue segurando o único portal da experiência numa fotografia.
Em Adis Abeba, o tumulto ocasionado pela invasão do território abalava cada habitante, e as forças militares etíopes nas ruas e esquinas reforçavam a segurança. Tiros acirravam o céu em várias direções, e a noite se conectava no absurdo dos homens na miragem das armas da fome.
Percorrendo a pé muitos lugarejos, Raffem se desespera com o entardecer longe de casa ao ouvir bombas abrindo clarões nos horizontes. Sozinho, agoniza-se com a fome e a sede que bate na garganta e no abdômen. Cansado e com os pés feridos, descansa o guri ao lado do caule de uma grande árvore, adormecendo sem entender o verdadeiro sentido das consequências em que o homem é detentor.
A madrugada advinda dos penhascos e vales assoprava naquele hostil planalto, a ansiedade vestida num tom cinzento da mente humana hipnotizado pelo conteúdo das bárbaras ações, reproduzia um filme arrasador na vivência daquele magro maroto de pernas finas. A mão direita levada ao peito afirmava a segurança da proteção do pai através de uma foto que cobria o minúsculo corpanzil assolado pelas torrentes de calor. E o dia nasce impetuoso, arrogante e leve na mesma proporção da esperança carregando enormes feixes de luzes na acelerada hora que não domina os ímpios homens.
O miúdo abre os olhos e se aterroriza com o panorama desigual do seu lar, soluça e grita:
-Pai! Onde está você! Pai! Não me deixe aqui. Eu preciso...
Não termina de pronunciar as últimas palavras da oração quando ouve um ronco de um caminhão atravessando o deserto em disparada, e as horas já avançavam na tarde. Raffem pisa forte entre os arbustos e atravessa a velha estrada que leva ao Quênia, e ali no meio, permanece hirto com a fotografia do pai segura na mão. O infante olhava o veículo numa distância de aproximadamente um quilômetro com as cortinas amareladas subindo aos céus numa cauda quilométrica de poeira que ficava para trás como se fosse um cometa. Entusiasmado, o coração sacudia com mais veemência ao encontro que pudesse levar ao sul daquela fronteira distante de sangue.
Um caminhão de carga com a inscrição assinalada pelas laterais – UNICEF – sigla de Fundo das Nações Unidas para a Infância - órgão da ONU levava suprimentos ao país vizinho do Quênia. O motorista de nacionalidade americana, cor branca, forte, cabelos loiros penteados e óculos escuros, ao perceber o garoto acenando uma carona, estacionou imediatamente o veículo, desceu e indagou:
-Olá guri! Você não tem medo de morrer com o baque dessa carreta?
Falando no seu dialeto, Raffem indagou?
-Moço! Você viu este homem?
O americano observando a fotografia amassada, disse:
-Não. O que ele representa a você?
-É meu pai, moço! Me ajude a encontrar o meu pai.
-E o que aconteceu com ele? É fugitivo da guerra?
-Não. Meu pai é agricultor e trabalha nos cafezais comigo. Eu não tenho mãe. Sabe moço... Quando acordei hoje, não encontrei o meu pai em casa. E todos do meu vilarejo fugiram e outros morreram. Faça alguma coisa por mim. Sei que o senhor trabalha com muita gente e ajuda as crianças da África. Você vai me ajudar? Olha moço, não vai lhe custar nada.
-Garoto! Eu não posso fazer isso. Tenho ordens a seguir viagem ao sul. Se você puder esperar a Cruz Vermelha, ela vem logo atrás.
Insistiu Raffem, esfregando os olhos com a mão esquerda, e disse:
-Me leve a qualquer lugar moço. Eu só quero é encontrar o meu pai. O senhor não tá falando a verdade. A Cruz Vermelha não cruza mais as estradas depois das seis horas da tarde.
-Não insista garoto travesso. Já disse que não posso levar passageiros. Você quer um sanduíche e um refrigerante geladinho?
O menino recebeu, olhou e nada disse. E o caminhão truck da UNICEF acionou o motor e partiu. Ainda com um pedaço de força, Raffem lançou fora o sanduíche e o refrigerante, agarrando-se no para-choque traseiro sem largar a fotografia do pai. Já com quatro horas de viagem, Raffem não tremia de medo, e sua pele negra havia se transformado na coloração amarela da poeira do deserto. E nas areias cortando o vento, o veículo fez uma manobra inusitada entre os buracos e cascalhos espalhados do estradão carrancudo. E naquele instante, Raffem caiu adormecendo no calor intenso.
Com o braço quebrado e a perna direita machucada, ainda sangrando, risca dos céus azuis mantos negros em disparadas, realizando acrobacias invejáveis ao olho humano. Eram abutres em busca do minguado corpo lançado naquele descampado meio. Pulando de um lado para o outro na alegria e próximo ao corpo, Raffem abre as pupilas e mexe com o braço, oportunidade em que voam. Já acordado, levanta-se com dificuldades através de um galho seco e se defende dos sanguinários. Já bastante desnutrido, o garoto etíope ainda consegue pegar alguns gafanhotos gigantes com o gancho seco e com leve batida na extremidade da cabeça, assim, sacia a fome miserável.
E as horas despontam na tarde longa do desespero. De imediato, a criança cobre os ferimentos com folhas verdes, evitando as moscas, retirando do corpo a camisa sórdida que serve de tiras para proteger o corte, e a dor que não para na perna esquerda.
Não demora as luzes da Toyota branca riscava o lado da estimativa, e Raffem perpetrava como uma estátua no meio da estrada, seduzido na perspectiva de encontrar abrigo e o pai desaparecido. Seguro com um pau seco, dali não se afastava o menino. A Toyota realizou uma frenagem rápida pela direita, e ali permaneceu o garoto aguardando providências. Diminuindo a marcha, observou Raffem uma carga enorme na carroceria coberta com uma lona. Uma voz masculina sobressaía num tom forte, dizendo:
-Venha! Venha! Suba por aqui amigo. Venha! Venha logo! Ei! Não pare! Segure na minha mão.
Um rosto também miúdo de igual idade abriu a lona da carroceria pelo outro lado, e lançava insistentes acenos e gritos:
-Por favor! Venha amigo, aqui tem um lugar pra você.
Raffem se locomovia na direção do braço estendido à frente, debilitado com a perna, segurava o garrancho da esperança e a outra acenando com a fotografia do pai na derradeira tentativa de alcançar a mão. As lágrimas se repartiam na face amarelada de uma jornada sem trégua descendo o rosto. A voz agitada reclamava:
-Não! Espere motorista! Leve o amigo que tá doente.
A outra voz de menor potencial rebatia com as mãos na Toyota em protesto.
E o minguado etíope caía no chão com o arranque do veículo, apenas um vendaval lhe cobria de poeira no conforto infeliz que uma vida possa receber. As duas crianças negras na carroceria da Toyota suspendiam os braços em prantos. Um rápido raio vindo da luz solar, engoliu o coração do menino. Este era o verdadeiro filho de Alá que tombou e se elevou na grandeza do pai.
Entre todos os contornos, os propalados pensamentos humanos, não serão a pobreza, a raça como o desmantelo das classes sociais, e tão pouco o condicionamento direcionado das populações diversificadas no meio social, político e religioso. O homem não mede esforços para sinalizar um caminho para a paz. Contudo, encontra-se abertura para semear as diversas pretensões na rivalidade descomunal ao semelhante, gerando a guerra. E se inclui na ausência do pleno conhecimento de sua existência entre verdades e aleivosias.
Créditos: Imagens do Google
Conto escrito em 14 de fevereiro de 2000