Volúpia

Volúpia

O vento entrou pela janela do quarto, fez roçar os cabelos em sua nuca branca e um arrepio percorreu-lhe as costas nuas. Cerrou as pálpebras e um gemido tímido chegou-lhe à boca enquanto procurava a caneta e o bloco de papel. Engoliu a grande quantidade de saliva que se concentrou em sua boca e sentiu novamente o gosto ácido dos líquidos masculinos. O corpo do homem estendido na cama ainda exalava o calor da batalha sexual travada a pouco. Sentia-se saciada e quase em paz.

Começou a escrever sua carta de amor e despedida com letras pequenas enquanto roçava os pés no tapete branco e macio. Pelo espelho à sua frente conseguia ter uma visão geral do quarto e enxergava ainda as sombras dos corpos dela e de seu amante contorcidos e inflamados. Não era uma visão de unidade, como a de jovens casais que se amam, em que não se consegue diferenciar um do outro, mas sim uma visão de dois gigantes buscando a exaustão, a entrega, a derrota total do outro. Suas coxas ainda tremiam mas seus ombros estavam absolutamente relaxados, como os de uma criança inocente que tivesse terminado uma tarde de brincadeiras e se preparasse para dormir.

Bebeu de um só gole o que restara da champanhe que seu amante usara para banhá-la e lambê-la em seus mínimos orifícios e ondulações algumas horas antes. Reconheceu o talento deste seu amante com um suspiro doce e agudo.

Mas continuou escrevendo a carta pois devia terminar aquela história que havia começado alguns meses antes numa tarde chuvosa e quase por acaso.

Depois de cruzarem os olhares por entre as mesas daquele restaurante, até então desconhecido, passaram a freqüentar o local, para matarem a fome e o desejo de ver um ao outro, em suas míseras horas de almoço. Dos olhares às palavras foi uma questão de semanas. E das palavras para os números de telefones apenas alguns dias. E dos números de telefones ao jantar apenas quatro horas. Deste primeiro encontro oficial, ela lembrava enquanto escrevia, do perfume marcante e do pescoço dele, rígido e bem desenhado, visível sem a gravata.

Do jantar para o chão da sala dele foram apenas duas horas, afinal, os dois já sabiam bem o que queriam, embora seus objetivos fossem bem diferentes. Na primeira noite quase destruíram todos os móveis da sala e ele havia descoberto a mulher ideal para realizar seus planos: mais nova que ele, com a musculatura rígida o suficiente para ainda ser suculenta, com traços bonitos, bem educada em público e absolutamente pervertida a dois. Sempre havia buscado mulheres que o surpreendessem no sexo e ela, sem dúvida, havia sido a mais surpreendente. Permitia-se dominar quando era forçada, gemia como uma dama enquanto seus olhos e suas expressões eram vulgares e agressivos. Ele, por sua vez, encaixava-se perfeitamente nas expectativas dela: era um tarado reprimido, deliciosamente cruel e violento, protegido pela máscara social de destaque e equilíbrio que possuía. Descobriram-se em seu mais obscuro íntimo. E mantiveram tudo em segredo para não dividirem nem com eles mesmos aquela plenitude de posse e obsessão.

Nos seus encontros, cada vez mais freqüentes, deixavam suas máscaras e pudores para fora e ele, especialmente, sentia-se cada dia mais seguro e forte em relação ao mundo que o cercava. Já não conseguia viver sem o cheiro dela na sua pele e passaram a se encontrar todas as manhãs e todas as noites.

Ela estava viciada nas carícias, nas pancadas e na necessidade quase infantil que ele tinha dela. Sentia-se viva enquanto tornava-se a própria vida para ele.

Ainda tomados por impulsos sádicos e santos resolveram tornar suas existências mais suportáveis e uniram-se em um recanto comprado por ele e decorado por ela.

Ela deixou o trabalho e assumiu com satisfação o papel de escrava e algoz sexual. Ele trabalhava melhor do que nunca porque tinha a certeza de encontrar sua metade quando chegasse a casa.

Um dia tomado por uma crise febril de ciúme de qualquer sombra que pudesse se aproximar dela, trancou-a em sua suíte e só permitia sua saída acompanhada dele para praticarem sexo em locais inusitados.

No início a idéia de ser propriedade dele a excitava e fazia com que se sentisse a princesa de um conto de fadas. E com o passar do tempo foi ficando cada vez mais nítido para ela a dependência e fragilidade daquele seu amante em relação a sua figura, uma mistura de gueixa, prostituta e esposa.

Havia finalmente atingido o seu objetivo.

Lembrou de todas aquelas cenas enquanto escrevia sua carta de amor e despedida ao seu ex-amante, um ritual que repetia toda vez que terminava um relacionamento. Queimou a carta na banheira, limpou todo o quarto e os outros cômodos que pudessem ter algum resquício dela, guardou as luvas de plástico e os lençóis da cama na mala que levaria consigo, vestiu um tubinho preto, um sapato de salto fino e os óculos escuros e saiu em busca de um novo amor que pudesse satisfazê-la e protegê-la, deixando para trás o corpo de seu ex-amante, agora já frio.

Daniela de Andrade
Enviado por Daniela de Andrade em 13/08/2011
Código do texto: T3158034