O onibus de prata - Desnudar

Ônibus de Prata - Desnudar

Eu fiquei envergonhado quando minha tia conseguiu um namorado em salvador, E foi aquela estranheza dentro de casa. Todos queriam um jeito dele se sentir bem. Afinal de conta era rico, bonito e antes de conhecer nossa cidade, já mandava uns envelopes pelo correio. Era um pedra de ouro maciça que a medida que fosse bem tratado, o luminoso de seu bolso poderia ser revelado.

E lá a gente foi esperar na rodoviária. Dez da manhã, todos meus tios, uns primos, meus irmãos, Vò Joventina. Vô Pedro, que só saia da marcenaria pra fumar, colocou o seu chapéu e afastado das outras pessoas, foi dar boas vindas para o moço rico. Vóvó colocou o melhor vestido, penteou o cabelo, coisa que só fazia em momentos especiais. No dia a dia, acordava, descia da cama, abraçava o moita de cabelo com um das mãos e com o outro cravava um pente de madeira. Estava armada pra fazer a vida funcionar.

Meu tio André, empinado, metido a sabichão também foi. Um constrangimento ver como gostava de se mostrar educado e cheio de virtude. Uma pregação que me dava vontade de vomitar.

Eu também fui, afinal era importante fazer essa gente de fora feliz.. Mas fiquei longe, igual meu vô Pedro, mais longe que ele, porque também carregava toda essa sorte de visão que me assombrava, principalmente quando me lembro que quando minha tia foi embora ninguém gostava muito dela, do jeito que ela falava os incômodos. Não viam a hora dela ir embora, já que só falava merda e dava despesa. Não trabalhava e passava o dia assistindo televisão, montada no telefone ou paquerando algum vagabundo. Ainda mais os moços de fora que não fazia outra coisa a não ser assanhar as moças da cidade, que se alvoroçava com as novidades que esses homens traziam.

Foi embora de sopetão. Se engraçou com seu Henrique da farmácia e acabou que a mulher descobriu. A bichinha foi arrastada pelo cabelos até a rua de seu Elson da padaria. Foi chamada de cadela, puta e rapariga e de outros nomes pior. A rua só falava disso, foi uma vergonha na nossa família. Passou uma semana, arrumaram um dinheiro com urgência na casa de Gilson vereador e mandou a coitada pra Salvador. “E só volte aqui quando essa vergonha passar”,

Foi uma tristeza. Era até bonita a desgraçada, mas naqueles dias parece que um cavalo passou e cagou em cima da cara dela, tamanha sua tristeza e vexame. Saiu no primeiro carro, de madrugada. Pra ninguém ver que foi embora. O único que não disse nada pra coitada, foi meu vô Pedro, que só cortava madeira e não parecia muito interessado nesses assuntos, que deixava toda essa gente pertubada.

Minha vó Joventina, colocou perfume abraçou um netinho, o Paulinho, que era engraçadinho, que dava raiva na gente de tão bonito que o moleque era. Num amor que ele não estava acostumado. Só pro homem vê, que a gente aqui, tinha bom coração.

O menino ficou encardido, de tanto que ela passava a mão no cabelo e ajeitava sua roupinha. Pegava no colo sem aguentar. Estava gorda igual uma porca, andando devagar e fazendo desses modos, pra dar uma aparência pro homem novo.

Um dos mais engraçado foi meu tio Eduardo, irmão mais velho, crente, mas cheio de divida que tudo. ‘É crente da boca pra fora”, quem falava isso era vó Joventina: “Conheço bem o mato que tem lenha”. Foi de fusca. Pegou emprestado de seu Ademir . “ Porque um grande homem vai chegar”

Dava a impressão na gente que ele estava falando de Jesus cristo, que nossa tia que lembrava Madalena, arrumou pra salvar ela e toda nossa gente, que vivia mais da mentira que qualquer outra coisa. Deu até vontade mesmo dele ser Jesus. Descer do ônibus de roupa branca, com cabelos bem lisinho, mexendo no vento, o olho bem azul, com aquele olhar lacrimoso e verdadeiro. Abrir os braços grandes, perto do céu e abençoar nossa família, e todos, num momento de humildade, abaixar, beijar seus pés e passar perfume. E Ele, com toda bondade que Deus tem, perdoar todos, por ter expulsando nossa tia, que na cabeça deles, gostava de homem mais do que tudo na vida.

Vó Joventina dizia que nele, toda ação era interesseira, sem necessidade. Foi tomado banho também, com sua bíblia preta no outro banco do carro, ouvindo aquela musica que falava mal do diabo. Na sério, não tinha gente que gostava mais do diabo que meu tio Eduardo. Vivia com esse nome na boca, mas começou a fazer isso quando perdeu tudo que tinha no jogo e na pinga. Vive pregando que mudou, mas não esquece os tempos de vida boa e pilantragem. Acha que Deus é bestas que não ver esses engodos. Não consegue enganar nem a gente quando mais Jesus, que deve ser muito do sabido.

Dona Zefa sempre falou que ele sabe tudo do mundo. Crente também. Dessa, num gosto nem de falar, porque essa acredita mesmo em Deus e dá muito mais medo na gente do que os que se enganam. Na boca dela o capeta é bem mais de verdade.

Na rodoviária deu muita dó de meu vô Pedro, nem sei porque ele foi. Ficou ainda longe, afastado como era sua vida. Fumando, com o chapéu cobrindo parte do sol. Olhando pra perto, como se nada que tivesse longe causasse interesse. Como se tudo que ele precisasse estivesse nas beiras dos pés, colado no chão.

Talvez fosse o único, que não precisasse de mais nada nessa vida. fiquei se ele já estava cansado de esperar ou que tenha visto quase tudo que pudesse abalar seu coração. Ele não me aparecia insatisfeito, nem encabulado com nada. Só parecia enfadado com a vida, como se nada mais no mundo fosse importante. Não dava pra saber o que se passava dentro do seu peito. Ou se passava algo. Nem parecia casado com vó Jonventina, nunca via eles conversando e quando chamava pra comer era uma secura. Mas que ele não ligava mais. Pra ele nada fazia diferença, mas gostava da comida e quando comia repetia, dizia baixinho que estava gostoso. Ela mesmo ouvindo, nem dava um sorriso de agradecimento.

Mesmo assim a gente não via maldade em vó Joventina, porque só pensava na gente: Na hora da comida, de dormir, de lavar os pés pra não sujar os lençóis, ou quando um de nós ficava doente. Ela quase adoecia junto de preocupação e só parava de dar remédio quando alguma esperteza brotava nos nossos olhos. A vida dela era fazer a gente feliz, menos o Vô Pedro, que da vida, não esperava mais essas coisas.

Enquanto a criançada animada, felizes, sonhando com carros de brinqüedos, bicicletas, passeio pra tudo quanto é lugar. Imaginava fazendo inveja pros outros meninos. Principalmente para os filhos de Juarez Fernandes, que já tinha de tudo: Casa grande branca, uma bicicleta da calói e viajava nas férias. Voltava cheios de fotos, que logo eram estampadas no jornal da prefeitura. Fazendo parecer de mentira toda vida que a gente tinha.

Vi nos semblantes de cada um, que minha tia fez um bem grande pra todos de nossa casa. Já que ninguém tinha nada e de repente os sonhos se abriram, como se o céu estivesse cansado de ser seco e começasse a mandar chuva de peixe e de esperança, inundando nossa vida de alegria e de vontade de querer mais coisas.

Minha tia logo que se estabeleceu lá, passou o pão que o diabo amassou, mas conheceu esse homem que logo fez de novo a ter fé na vida. Escreveu diversas cartas, que dava muita angustia em Vó Joventina. Colocava a carta na mesa, esperando um filho de Deus que soubesse ler direito, sem ficar gaguejando ou fazendo a carta ficar mais bonita, cheia de noticia boa. Meu outro tio enganou ela e todo mundo, fazendo as noticias ficarem exageradas. Quando ela descobriu, nunca mais acreditou nas leituras dele. Esperava chegar da Roça Tio Janga, que lia de um jeito verdadeiro que deixava todos nós, rodeados na mesa, com vontade chorar, de tanto que colova o coração nas palavras.

Acho que era por isso que vovó esperava ele, pra ter certeza de que tudo vinha ali fosse verdade. Pois as cartas que fossem mentira, as palavras nem saia da boca dele, ele falava sem graça, constrangido, largava lá, ou lia rapidinho sem vontade nenhuma. A gente já sabia quando era exagerada as palavras

Mas as carta de minha tia sempre foram desse jeito, de mostrar dentro da gente as dificuldades dela, o que ela passava, parecia que era agente estava naquelas ruas compridas ou na rodoviária com vontade de voltar pra casa.

Quando ela escreveu falando desse homem foi uma alegria na família. Minha Vó Joventina queria esfregar na cara da mulher de Henrique da farmácia o quanto que sua filha era melhor. Já que conseguiu sair desse fim de mundo e arrumar um homem de dinheiro e de caráter e não um mulherengo como seu marido, que não saia da rua das enfermeiras, procurando mulher de vida fácil.

De repente uma movimentação das pessoas que esperava, bem de longe, ainda na Estradinha, apareceu o ônibus. Dentro dele estava nossa tia, cheia de vontade de ver de novo sua terra, deveria estar nervosa, ou preocupada. Dizia nas cartas que um corte foi feito em sua alma quando foi embora, perdeu tudo que fazia sua vida ser boa. Estar numa cidade grande e ela tão pequena, sem conhecer ninguém, trabalhando em casa de família e se esforçando pra guardar alguma coisa, ou todo dia criando coragem de voltar, abraçar sua mãe e andar na rua como se fazia quando criança: Só de brincadeira sem nada pra se preocupar......

E foi que o ônibus parou, aquela bagunça, as crianças correndo, querendo fazer carreto, o cheiro de óleo diesel , dando descontos, simpatias. As pessoas desciam, rosto abatido, travesseiros na mão. Abriu os bagageiros, as malas bonitas e extravagantes, diversas cores, etiquetas sendo conferidas, as duvidas de quem espera, o motorista impaciente, muitos rostos, alguns da cidade outros, outros sem nome.

Desciam devagar, ônibus lotado. Era a cidade crescendo, trazendo novidades, era dinheiro nas vendas, nos bares, na mão da mãe do menininho que leva as malas.

Ela apareceu na porta, finalmente apareceu, mesmo rosto, envelhecido, uma tristeza chapada, uma névoa que empobrecia seu olhar, olhos cansados, que afundava quem olhava. “ A Dona, tem bagagem?” “Cadê o marido rico, cadê”. O olhar vazava as pessoas e varria a lateral do ônibus, buscando o fundo escuro, as janelas. Cadê o marido...? Será que não veio? Os passos lentos, tudo era duração e densidade, cresciam a curiosidade. A ansiedade ficou grande. Onde, onde? Deve estar lá dentro tomando coragem pra descer, gente rico é assim. Ela se aproximou e os olhares continuavam dentro do ônibus. Cadê seu marido? Onde está? Por que não desce logo?

De longe, Vô Pedro já sabia, que num trajeto longo, muitos pontos são reservados, para o sonho descer....