A ausência e as flores
Ele olhou a porta de entrada, os corredores, o verde aguado das paredes e também as lâmpadas esbranquiçadas, os canteiros e as portas, as mulheres, as mulheres de branco. Olhou o branco, o chão, o chão espelhado, cada centímetro, esteve ali em cada centímetro, em cada partícula, em tudo. Não pode se acostumar a essa idéia, nunca. Uma das mulheres de branco aproxima-se sorridente, lhe pede o nome, ele responde com certo atraso, está distraído, ela lhe pede outro nome, esse outro ele não diz, deixa escapar, diz por dizer assim, sem escutar. Ela diz: um momento. Ele espera ainda perdido no universo verde-água, a pressa, ela volta, lhe entrega um papel para que assine e diz algo, o acompanha para as escadas cinza, saem em uma sala ampla, maior, aberta, ambiente mais calmo e vazio, na parede em frente há uma grande porta, imensa, que leva a uma espécie de jardim, a mulher de branco o deixa, então outra vez olha, para também estar ali, as pedras, as arvores, as plantas e as flores, os bancos de pedra, e então aquela vasta cabeleira negra e ondulante sobre o banco, uma mancha na paisagem, é ela, em silêncio ele senta ao seu lado, ela não se move. Ele diz oi. Ela permanece imóvel, muito pálida, não o olha. Não o responde. Parece estar à mercê do perigo, do perigo da morte, só que fora de vida.
Longo silêncio. Ela balbucia, murmura, fala.
Ela: Costumam me trazer flores, você nada.
Ele diz: Não deu tempo. Desculpe, é que...
Ela o interrompe com magnificência: Orquídeas, margaridas, girassóis, crisântemos e lírios... E também violetas... Exceto rosas. São tristes.
Ele sorri enquanto a escuta apaixonadamente.
Ela: O que é engraçado?
Ele balançando a cabeça afirma que não, não é nada.
Ela torna-se séria, terna. Os lábios rachados agora se encontram juntos, trancados. Longo silêncio.
Ele faz um comentário sobre o tempo, sobre o verão, sobre como aquela manhã está bonita, assim como ela, “a cara da mãe” disse ele. Ela não fala, continua com o olhar fixo no muro. Imersa em sua loucura.
Ele fala, sabe que ela não o fará, fala sobre os pais que não puderam vir, os irmãos, sobre o noivado do caçula com a moça italiana.
Ele diz: Como você dizia?... Libertina. É isso.
Sorri sozinho, fala também sobre os filhos, sobre a pequena e o quanto está bonita, é de não acreditar! Diz ele. Parece encantado ao falar da família, não sabe se ela o escuta, é complicado entende-la no estado em que se encontra, torna impossível saber. Não se sabe se está realmente ali, ou em qualquer lugar. Por toda a manhã ele lhe fala sobre as mesmas coisas, a família, sobre o quanto está feliz e também o quanto lamenta o acontecido que a tornara assim, durante toda a conversa, ela só o interrompeu mais uma vez, para comentar algo sobre comprar um chapéu, um chapéu de feltro, “como antigamente”, disse ela. Ele não entende o comentário, nem o chapéu, talvez as flores ele entenda, quem sabe. Está na hora de ir, tchau, dá-lhe um beijo no rosto gelado e vai embora. Ele viu tudo, tudo o que podia ver, frêmitos e partículas, paredes, pessoas, tudo. Cada detalhe. Havia visto tudo, exceto ela.