O abandono

O crepúsculo cai sobre as ruas tingindo o céu em um misto de laranja e lilás, as ruas vazias são atingidas por toda a nostalgia de fim de tarde, tardes de maio. Foi ali, naquele prédio cinzento, onde ele passara a madrugada separando o que levaria, roupas, fotos, livros, e também os filmes e anotações, cada coisa, tudo possuía uma história, única e particular. História agora que seria deixada para trás, esquecida, para enfim, o recomeço. Recomeço tardio mas necessário. O pior estava por vir, ele ajeitava o casaco preto, quando percebe a figura feminina que cruza o quarto através do espelho, ela para atrás dele, sem dizer nada, com os braços cruzados ela olha pra baixo.

Ternura.

Ela: 14 anos, e agora isso.

Silêncio, doçura.

Ela: Não consigo entender...

Ele, enquanto ajeita a gravata: Não. Não vale a pena.

Ela levanta o rosto, procura. Encontra.

Ela: Não acredito ter sido tão desagradável....assim...a esse ponto.

Ele: Não, ao contrário, você tornou suportável.

Ela espera silenciosamente que ele fale. Ela o conhece bem, está imerso na cólera interior, ele olha pra fora, esquece dela. Depois volta, se olham. Estão presentes outra vez, ele não diz nada, então ela fala, quase em tom de zombaria.

Ela: Quanto tempo faz.

Ele: Não sei...3 meses acho. Sim, é isso.

Ela não o olha mais no rosto: E como é?

Ele: Como com você, no início.

Ele então segura a mala como um anúncio, vai em sua direção, ela se esquiva, senta na cama, ele para por alguns segundos, os olhos baixos diante da mulher que tapa o rosto com as mãos, ele vira, em direção a porta, a porta mogno, antes que atravesse essa porta a mulher grita.

Ela, gritando baixo: Quero que morram, você e seja lá quem for!

Ele escuta, sorri, ela continua parada em sua vergonha, ele não pode dizer nada, já está sendo desonroso o suficiente para ambos, ele então guarda cada pedaço daquele corredor, cada quadro, desce as escadas de mármore como quem vai para o abate, para em frente a porta com a mão sobre a maçaneta. Pronto, estará livre de todo o vazio sufocante causado por aquela mulher que esteve ausente nos últimos 14 anos. Pronto, é ele quem parte, é ele quem desiste, diferente do que havia pensado, tomou a decisão, agora deve arcar com as conseqüências, de agora em diante deverá cumprir obrigações consigo mesmo. Ele abre a porta. Enfim, o abandono de todas as buscas. A desitência.

WsCaldas
Enviado por WsCaldas em 11/08/2011
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