A VISSITA MALDITA

A VISITA MALDITA

Até hoje ainda não tenho uma opinião ou convicção formada sobre tudo que acontece com as pessoas na face da terra. Sendo alguns destes fatos cercados e recheados dos mais diversos mistérios, se são simplesmente por força do destino, sina de cada um ou absolutamente por obra do acaso.

Quem serviu nas Forças Armadas nos períodos da revolução, pós- revolução e governos militares tiveram a oportunidade vivenciar fatos absurdos, que denotam verdadeiros abusos de autoridade, arrogância, prepotência, injustiça, faltas de humildade, maus tratos e uso da força muitas vezes sem justificativas, eu cheguei a conhecer pessoas que diziam que as leis e regulamentos eram eles.

Caro leitor eu quero na oportunidade reportar-me sobre um fato ocorrido na minha época de soldado quando eu trabalhava na Seção de Bombeiros da Base Aérea de Fortaleza no ano de 1968. A data eu não posso precisar, mas se fizéssemos uma pesquisa nas alterações dos envolvidos certamente a encontraríamos. Como o importante é o fato vamos deixar sem a data.

Eu me lembro como se fosse hoje, quando a equipe de bombeiros que estava saindo de serviço combinou para fazer uma visita aos cabos bombeiros que estavam presos em virtude da solução de um inquérito que apurou o envolvimento do sargento encarregado da Seção de Bombeiros em furto de gasolina. No final do inquérito o presidente chegou à conclusão que os cabos haviam tramado contra o sargento, tendo assim o feitiço caído sobre o feiticeiro como diz linguajar popular e os cabos foram punidos com vinte dias de prisão, mas solução esta que os ex- cabos não se conformaram até hoje, quando eu os encontro eles comentam ainda cheios de mágoas que foram injustiçados. Só sei que o cabo Melo que era estabilizado ficou tão decepcionado que pediu licenciamento e logo em seguida faleceu vítima de um infarto, que na época foi muito comentado que tinha sido provocado pela depressão, raiva que o ex- cabo guardava desde que havia dado baixa das fileiras da Força Aérea motivada por não ter aceitado a punição injusta que lhe foi imposta. Eu não sei se por destino ou fatalidade fiz o curso de cabo e fui provido em sua vaga.

Naquela época à Seção de Bombeiros ficava na área operacional vizinha ao 1º/4ºGAV e todos os dias a equipe que estava saindo de serviço vinha almoçar no rancho da Base, e era transportada de ônibus ou caminhão. No fatídico dia viemos de ônibus e antes do almoço como combinado fomos fazer a maldita visita aos cabos velhos que se encontravam presos no xadrez da Base. O número de soldados no momento eu não posso precisar, só sei que eram mais de trinta homens pela somatória dos dias de prisão que ultrapassaram há novecentos dias. Vale ressaltar que de toda a equipe que estava saindo de serviço nem todos foram punidos, apenas três militares foram poupados: o cabo velho que já estava cumprindo punição e tinha sido recolhido ao xadrez logo pela manhã, após a passagem do serviço; o S1 Aquino que era excluído da turma por ser taxado de peixe e puxa saco do sargento encarregado da seção, que sorrateiramente e propositalmente desceu do ônibus nas proximidades do aeroclube e veio caminhando para se livrar da tal visita; e eu S1 Mesquita na época, que por força do destino ou obra do acaso eu fui arrebatado do meio dos visitantes pelo então cabo Mesquita, que era meu primo e tinha vindo de Itapipoca nossa terra natal e trazido notícias de meus familiares, enquanto conversávamos a equipe inocentemente deslocava-se rumo ao corpo da guarda local onde fica localizado o xadrez, onde seria realizada a maldita visita.

Ainda não haviam se passado cinco minutos de conversa entre mim e o cabo Mesquita, foi justamente o tempo suficiente para os soldados se aproximarem da guarda, mas por azar deles foi ao mesmo momento em que sargento encarregado dos bombeiros ia sair para almoçar em sua residência na vila, aí então, quando ele viu aquele bando de soldados foi logo parando seu carro e perguntou. Para onde vocês vão? Um dos soldados ingenuamente respondeu: vamos fazer uma visita aos cabos. O sargento sem titubear desceu do carro já gritando negativo e de imediato colocou os soldados em forma e deslocou para o comando do Esquadrão de Material, órgão o qual o bombeiro era subordinado e contou a maior novela para o comandante, dizendo que em um quartel aquilo não poderia acontecer, onde já se viu soldados fazerem visitas a cabos que estavam presos.

A lavagem cerebral foi tamanha, que quando os soldados foram ser ouvidos para se justificarem sobre o fato, o major fez apenas uma única e exclusiva pergunta, quer dizer que vocês iriam fazer uma visita de solidariedade aos cabos? O soldado mais antigo S1 Albuquerque tomou a posição de sentido e inocentemente respondeu: era sim, senhor major. O major friamente exclamou: está ok, trinta dias de prisão para cada um, porque em quartel não existe visita de solidariedade, isto é coisa de subversivos, naquela época pós-revolução qualquer coisinha era tida como subversão.

Os soldados sem saberem nem sequer o que significava solidariedade e subversão, alguns nem conheciam estas palavras em seus vocabulários, mas mesmo assim amargaram a maior punição, que pode ser aplicada disciplinarmente por uma transgressão e sem direito a nada pelo menos uma defesa. Estava ali tolhida a carreira de muitos jovens que poderiam ter ascendido e galgado um futuro melhor na Força Aérea Brasileira assim como eu e Aquino, que por ironia destino não fomos punidos.

ChicoMesquita
Enviado por ChicoMesquita em 10/08/2011
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