Pele
O que diz de uma criança na rua, com fome, sem ter pra onde voltar? Desse ódio que faz a gente cego, que nos tira o céu, as estrelas, a poesia. Que nos abre apenas para o que é feio, enlamaçado. Quantas madrugadas existem ainda todos os dias, embaixo dessa torpeza. Quantos céus e quantas manhãs despercebidos se alegram em existir, e nossos olhos vêem, mas não enxergam, não participa, não vive nem que seja de relâmpago algo dessa beleza.
E as casas com jardins descuidados, e mesmo assim, distante de mãos, nascem, sem pretensão, flores vermelhas, amarelas, resistentes ao descaso e nossa falta de amor?
A cidade anda como uma maquina, e agente também se torna de plástico, caímos no carrossel da repetição, que de tanto repetir se torna imagem, se torna real. Temos carros, casas, empregos, correria, cobranças, que de tanto doer não vivemos, mas sim , somos vividos por essas coisas, apoderados e possuídos, transformando a gente em zumbi, mortos vivos sem sentidos, distante do céu, das estrelas e da própria pele.
À noite nos escondemos e vivemos na sala, não a noite, mas a morte do dia. A fumaça da industrias esconde o céu. E nossa falta de esperança empurra as poucas estrelas que restam pra mais longe ainda. Correm , desaparecem , se afundam em algum infinito que nossos olhos torpes já não alcança..
E o céu que, para alguns nem existe mais. Será que ainda se revela, pra essa criança que está com fome, não só de comida, mas de uma vida quente, de abraços ou qualquer coisa que lembre um dia feliz? Pra essa criança, o céu ainda está sobre sua cabeça, as estrelas ainda sopram seus olhos, e seu corpo, diante da torpeza do vazio noturno, da rudeza de uma vida sem sentindo, ainda sente o frio da noite, uma porta que se persistir, abre novamente o tempo de estrelas?
Ou será que pra ela também chegou a cegueira, o torpor do vazio, da falta de esperança. De viver sem se saber vivo, de estar separado, mesmo junto, da trivial beleza, que de tão humilde, não nos damos conta, de que é dela que nossa alma vive, tem prazer e percebe o valor do amor e de viver? Mesmo que a lama e rudeza que a civilização e a fome desnecessária nos faz conviver?