O mistério da caixa-preta

Fui conduzido por um jovem militar fardado até uma sala onde duas cadeiras e uma mesa constituíam todo o mobiliário, e fui apresentado a um outro militar, mais velho, talvez com pouco mais de quarenta anos [embora seu olhar cansado e seus cabelos grisalhos lhe dessem um ar de sexagenário viúvo e deprimido].

Quando entrei na sala, o militar de meia idade se encontrava sentado numa das cadeiras, com as mãos em cima da mesa, folheando alguns papéis, e, ao me ver, fez um gesto quase imperceptível com a cabeça, indicando-me a outra cadeira.

O militar mais jovem fez uma continência e foi embora, fechando a porta atrás de si.

Senti que algo muito sério e misterioso pairava no ar, pois ao me sentar, o militar me fez ler e assinar um termo de sigilo e confidencialidade, deixando claro para mim que o vazamento de informações sobre aquele caso complicaria muito a minha vida. Não questionei nada, pois naquele momento a curiosidade já tomava conta do meu espírito, fustigando-o, empurrando-o na direção do medo, como sempre acontecia quando eu me encontrava prestes a aceitar uma nova missão.

Sou conhecido no mundo inteiro por lidar com situações sobrenaturais, cientificamente inexplicáveis, que me levaram a escrever mais de vinte livros e centenas de artigos, nos quais eu relato e analiso casos de arrepiar os cabelos, ocorridos em quase todos os continentes. Porém, nos meus trinta anos de carreira, lidando com fenômenos paranormais de vários tipos, aquele foi o primeiro termo de sigilo que eu fui obrigado a assinar, o que me surpreendeu, apesar de toda a minha experiência no ramo, fazendo meu coração disparar de ansiedade.

O caso era completamente novo para mim:

Um avião bimotor com dez passageiros e três tripulantes a bordo perdeu contato com os controladores de vôo e desapareceu do radar às 23:53, no dia sete de junho. Até um minuto antes, o contato com a torre de controle era normal, sem nenhum sinal de alarme ou de tensão entre os pilotos; mas, de repente, tudo se apagou. Era uma noite escura, com céu nublado, mas sem risco de tempestade; nada indicava uma pane nos instrumentos, e o contato com outros aviões naquela região se mantinha normalmente, sem problemas.

Até aí tudo indicava um acidente de grandes proporções, com alguns detalhes misteriosos, mas que certamente seriam explicados quando a caixa-preta fosse encontrada em meio aos destroços.

Só que não havia destroços. O avião foi encontrado, mas intacto, como se tivesse realizado um pouso suave na pista de um aeroporto qualquer. Todos os equipamentos funcionavam perfeitamente, sem nenhum problema.

O que, no entanto, deixou os militares perplexos foi o fato da aeronave ter sido encontrada no alto de uma montanha, em uma área de topografia acidentada, cercada por enormes rochas pontiagudas e árvores, não havendo a menor possibilidade de ter ocorrido ali um pouso normal de avião.

“Eu estava lá e vi tudo com meus próprios olhos”, disse o homem à minha frente, tentando disfarçar o espanto e o medo que penetravam as névoas de seu olhar frio e perturbador. [Ele fazia parte da equipe de busca que encontrou o avião, no dia seguinte ao desaparecimento]. “Eu estava lá, tirei fotos, mas até agora não consigo acreditar...”.

A curiosidade me sufocava; meu corpo todo tremia; mas ao mesmo tempo eu sentia pena daquele homem que me encarava, já desarmado, com as lágrimas brotando de seus olhos desprotegidos, incapazes de disfarçar a emoção que aquela narrativa lhe provocava.

“Veja as fotos”, disse ele, estendendo para mim uma pasta de cor parda, que ele tirou de uma pequena gaveta na mesa. [Talvez ele a mantivesse escondida para não aguçar ainda mais a minha curiosidade, caso ele decidisse não mostrá-la].

A primeira foto era do avião visto à distância, cercado de rochas e árvores, em meio às montanhas. As árvores ao seu redor [por todos os lados] estavam intactas, com seus galhos frondosos, cheios de folhas: só isso já provava a impossibilidade de um pouso naquela área. Mas tudo, TUDO naquela foto gritava: IMPOSSÍVEL: as pedras, os morros... Nenhuma marca no chão, nenhum destroço; o trem de pouso baixado, limpo, impecável, como se tivesse sido acionado para uma aterrissagem normal.

Outras fotos mostravam detalhes do avião: nada, absolutamente NADA que indicasse um pouso forçado – na verdade, nada que indicasse um pouso.

Como teria aquele avião chegado ali? Essa era a primeira pergunta sem resposta, o primeiro enigma daquele caso intrigante e assustador.

Mas o pior ainda estava por vir: o fato mais espantoso e inexplicável de todos, algo que eu nunca tinha visto em toda a minha vida:

As fotos seguintes mostravam o interior do avião. Na primeira, em um plano afastado, todos os passageiros apareciam sentados em suas poltronas, como se prosseguissem viagem. Mas um detalhe importante saltava aos olhos do observador atento: mesmo à distância, era possível perceber em seus rostos – em todos eles –, um sorriso enigmático.

“Estão todos mortos”, disse o militar, mergulhando o rosto na mesa, entre os braços cruzados, que tremiam a cada soluço. Consegui ouvi-lo dizer, balbuciante: “Os laudos das autópsias não revelam nada, absolutamente nada... Nenhuma causa...”.

Olhei as outras fotos: cada rosto individualmente, em close: cada sorriso, cada olhar... Todos mortos? Não dava para acreditar... Mas, no entanto, era verdade. Dava para ver que os sorrisos e os olhares, que me pareciam ser de prazer, de encantamento, de entrega a um destino almejado por todos, desenhavam-se em corpos já sem vida, tomados por aquilo que a interrupção definitiva da existência terrena lhes imprime: rigidez, palidez... Mas os sorrisos eram vivos: eles transmitiam uma mensagem que, para mim, naquele momento de emoção intensa, ainda era confusa, misteriosa, mas que me levava a pensar em tudo, menos na morte. Nada ali transmitia medo, agonia, dor, aflição, sofrimento, mas justamente o contrário: naqueles sorrisos eu via alegria, esperança, satisfação, regozijo, prazer.

O que era aquilo, meu Deus?

O homem levantou o rosto, olhou para mim como se o mundo desabasse ao seu redor e isso lhe fosse indiferente, apontou para uma foto e disse: “Minha esposa”; e para uma outra, com os dedos trêmulos: “Meu filho...”.

Um silêncio profundo tomou conta da sala naquele momento. Nossos olhares se pregaram um no outro: o dele implorando uma explicação que o salvasse de si mesmo, resgatando-o do abismo da dor, do sofrimento; e o meu dizendo que sim, que eu faria tudo para solucionar aquele mistério, por sua família desaparecida, por ele, por mim...

Terminada essa troca significativa de silêncios, ele se levantou da cadeira e abriu a porta da sala, chamando uma mulher que se encontrava parada no corredor: “Major, por favor, traga a caixa-preta”.

A caixa-preta...

O que teria registrado a caixa-preta daquele vôo para a morte?

“Você se acha suficientemente espantado e perplexo?”, perguntou-me ele, enquanto se acomodava de novo na cadeira.

Não respondi.

A porta se abriu e uma pasta escura e volumosa foi posta sobre a mesa por uma militar de meia idade, séria e compenetrada.

“Obrigado”, disse o homem, enquanto a mulher se retirava, fechando a porta.

“Então...”, continuou ele. “Você se acha suficientemente surpreso e intrigado com o que eu lhe contei e mostrei até agora?”.

Eu não conseguia responder.

Ele sorriu, fechou os olhos e disse, sem disfarçar a dor que dilacerava seu peito: “Só que o mais espantoso e assustador vem agora... Está aqui...”.

E ele bateu a mão direita três vezes sobre a pasta:

“Na caixa-preta”.

Nossos olhares se cruzaram de novo e ele me perguntou:

“Está preparado?”

(...)

"Vamos ouvir".

[O piloto fala]:

Vou registrar tudo...

Vejo à minha frente, pelo vidro da cabine (onde deveria estar simplesmente a noite escura que nos cerca), um rapaz de olhar cansado, mas ao mesmo tempo iluminado, cheio de vida. Sou eu – tenho certeza que esse rapaz sou eu –, mas ele não tem o meu rosto, o meu cabelo, o meu corpo; talvez o brilho do seu olhar se pareça um pouco com o meu...– não sei se o brilho, mas certamente alguma coisa no olhar (ou por trás do olhar...). Veste-se como um mendigo e está caminhando pelas ruas de uma cidade suja e fedorenta: eu sinto o cheiro da cidade: um cheiro de podridão, de fezes e vômito; vejo a sujeira acumulada na rua sendo pisada por pessoas e cavalos, que correm de um lado para outro, sem parar. Olho para um prédio em construção que, com certeza, não é da nossa época, nem desse país...

‘Eu’ olho? Sou eu?

O que eu faço ali, meu Deus?

Um homem me persegue, eu o vejo se aproximar, caminhando lentamente pela rua imunda: um homem que fará de tudo para me destruir. Eu corro, desesperado, mas ele está no meu encalço. Veste-se com os paramentos, adornos e insígnias de um oficial bem colocado na hierarquia administrativa da época (mas que época? Onde?). Entro na multidão de gente suja, que fala uma língua que eu não conheço (Polonês? Alemão?), e, de repente, ele está bem na minha frente, olhando para mim: esse olhar... O olhar do lobo que encontra a sua presa... Vejo-o aqui, refletido no vidro desta cabine, neste avião: esse olhar que me chega do passado, abrindo com seu ódio as névoas do tempo...

Não o vejo mais.

Estou agora deitado na grama de um jardim, próximo a um riacho. Sou um velho e não consigo falar. Da minha boca escorre uma baba branca, que uma mão feminina limpa com um lenço bordado, de fino tecido. Não vejo o rosto da moça, mas sinto a sua presença reconfortante, o seu toque delicado, e ouço a sua voz dizendo: “Obrigada por tudo... Obrigada”. Sou um idoso que se aproxima da morte; mas não sou aquele rapaz cinquenta anos mais velho. Sou outra pessoa, em outro lugar, em outra época – uma época anterior à que viveu o rapaz. Percebo isso pela minha roupa, pela minha peruca e pelo som de uma música que me chega de algum lugar atrás de mim (uma música composta naqueles dias, sendo tocada ali pela primeira vez; não sei como explicar essa minha certeza). Sou um velho que viveu uma juventude completamente diferente da que teve aquele jovem (que também sou eu), embora com a mesma carga de sofrimento e dor, talvez ainda mais pesada (eu sinto isso).

Sou agora uma mulher que, afobada, puxa a sua filha pelas ruas de uma cidade que não me é estranha. Ouço falarem a minha língua, sinto cheiros familiares: amendoim torrado, pipoca, canela, pequi. Entro numa casa pobre e subo as escadas até um quarto onde um grupo de pessoas se reúne em torno de um moribundo. Meu pai. Não o reconheço em meio aos lençóis imundos, respingados de sangue, mas esse homem é meu pai, o pai daquela mulher que sou eu. Uma senhora gorda de meia idade me abraça, aos prantos, enquanto minha filha se dirige à cama, chorando, e cai sobre o corpo quase sem vida do avô. Meu pai, meu pai... Esse homem não é meu pai (não o pai deste piloto que vos fala). Meu pai morreu jovem, eu me lembro dele, do seu rosto, do seu sorriso... A menina, minha filha (mas eu não tenho filha!), abraçada ao avô, levanta-se e olha para as pessoas ao seu redor: eu vejo as suas mãos trêmulas, sinto a sua dor e, lá no fundo, bem no fundo da sua alma, sinto uma presença maligna, um resto de maldade... Ela precisa de mim, que sou sua mãe; da mesma forma que aquela jovem do passado precisou do velho que, no final da vida, recebeu de suas mãos agradecidas os últimos gestos de reconforto, as últimas carícias...

A senhora gorda me olha e me beija a face. Segura firme as minhas mãos. Não a conheço, mas sinto que ela está aqui também, neste avião... Suas mãos são fortes, seu amor é imenso: eu posso contar com ela, e minha filha também... De repente sinto um calafrio e lá está ele: o lobo. Ele está próximo à cama, sério, com o semblante triste; mas de toda a desgraça que caiu sobre a minha família, eu posso dizer: foi ele o causador; e sinto (naquele momento) que ainda vou sofrer muito em suas mãos. Não é mais aquele oficial da magistratura ou do exército daquela cidade imunda; é um jovem de no máximo vinte anos, mas que traz na alma uma maldade de séculos (e eu vejo isso em seu olhar: o mesmo olhar que me encarou com ódio naquela cidade perdida no tempo e no espaço, em meio à multidão). Ele está aqui por algum motivo: aqui, neste quadro de tristeza, de dor e luto: neste quarto sombrio e triste que é o do meu pai moribundo; mas também aqui, neste avião: ele está aqui, entre nós, talvez tendo as mesmas visões fantasmagóricas e inexplicáveis...

E a minha filha? Eu olho para ela, vestida como uma criança pobre da década de 10 ou 20 (não sei bem), sem reconhecê-la, mas sabendo que é minha filha. Aproximo-me dela, trago-a para junto de mim, e a encaro nos olhos; e vendo agora a cena (enquanto avançamos rumo ao desconhecido, sem nenhum contato com o mundo exterior, sem nenhuma chance de socorro), sinto a presença dela, dessa mesma menina, ao meu lado, deitada na grama junto ao riacho... O que eu fiz por essa criança?

E de repente me vejo de novo naquela cidade suja (agora longe do meu perseguidor), entrando em um barraco de madeira cercado de lama, com ratos correndo para todos os lados. Ali dentro está minha mãe doente e faminta. Dou-lhe um pedaço de pão e leio para ela algumas passagens da Bíblia, o que lhe alivia um pouco o sofrimento e o cansaço causados pela tuberculose. Seu corpo treme a cada palavra minha...

Mas não é que elas estão ali também? A minha filha com seu pranto no quarto do avô moribundo e a jovem ao lado do velho na grama ouvindo música... A mãe daquele jovem mendigo que sou eu é a filha daquela mãe desesperada que sou eu e, talvez, uma amiga, sobrinha ou mesmo filha daquele velho inválido que sou eu também! São a mesma pessoa... Não... O mesmo espírito!

[Longo silêncio]

Outras cenas... Outros homens, outras pessoas (jovens e velhos, mulheres e crianças) que são eu. Vi tudo... Outros amigos, em vários lugares, em várias épocas, que se repetem, para me fortalecer, para me ajudar: a senhora gorda aparece três vezes (e ela está aqui conosco nesta viagem – eu sei que está –, não como uma velha gorda, mas como um senhor calvo, de óculos grossos – eu o vi na entrada e sei que é ela, eu sei...); o lobo faminto (cheio de ódio e maldade) aparece em todas as cenas para me destruir, mas acaba me fortalecendo cada vez mais (no riacho ele é um pescador que olha para trás, erguendo um peixe, e me encara, sentindo prazer por me ver decrépito e inútil): e ele também está aqui, neste avião, eu sei: já não carrega mais todo aquele ódio de séculos: já sofreu o bastante para se corrigir, para se purificar: seus filhos e netos já sofreram muito por ele...

Todos estão aqui, com outros rostos (eu me lembro deles na entrada: são eles...).

Olhe para mim, Joel [Joel García é o co-piloto], deixe-me ver seus olhos... É você... Não há dúvida. No seu último suspiro, o pai daquela mulher que sou eu abriu os olhos, e você está lá, Joel... Vejo seu olhar naquele olhar, um brilho apagado e triste, mas é você... E agora te vejo também em outros rostos... Em outras épocas e lugares...

Você entendeu? Nossa missão acabou... Sinta a recompensa, Joel... Você está sentindo?

Ele está lá atrás, junto com os outros. Nós conseguimos...

[Silêncio]

Eu vi, Joel, eu vi o que ele fez. Foi terrível! Nós o ajudamos, meu amigo... Ele foi salvo e segue agora conosco para uma outra missão, livre dos sofrimentos que o atormentaram e torturaram por séculos. Ele não vai cedo demais (não existe cedo demais). Ele é jovem (o seu corpo é jovem), mas seu espírito está pronto para uma outra vida...

Eu o batizei, Joel. Seu pai é meu amigo, um militar digno e honesto, mas triste, muito triste. Eu o batizei nesta vida e o acompanhei até aqui, trazendo junto com ele a sua mãe, uma jovem bondosa e cheia de amor, que nos ajudou várias vezes no passado (neste e em outros.). E como eu sofri, Joel... Como eu cresci e me aperfeiçoei nessa grande jornada! Como nos aperfeiçoamos! Desse garoto eu fui pai, mãe, amigo, filho, por várias vezes, e agora sou seu padrinho em Cristo, nosso Pai, que nos conduz de volta, juntos, à sua casa, pois Ele precisa de nós, neste momento: de nós treze – juntos – para uma nova missão. E tem que ser agora. Por isso estamos aqui...

Sinta a recompensa, Joel... Não é maravilhoso? Você sente também... Todos lá atrás estão sentindo a mesma alegria, a mesma sensação de dever cumprido, o mesmo regozijo, o mesmo encantamento...

Mas por que temos consciência disso? Por que essa verdade nos foi revelada? Será que vamos nos esquecer de tudo quando o avião cair?

[Silêncio]

Esta música... Você está ouvindo, Joel? É a mesma música que eu ouvi deitado na grama, no jardim, às margens daquele riacho, enquanto recebia os cuidados daquele espírito perturbado que nos fez chegar aonde chegamos (a este avião, a esta paz, a esta alegria), e que agora está ali atrás, entre os passageiros, salvo, ao lado da mãe...

Esta música, Joel...

Só pode ser obra divina...

Só pode vir dos Céus...

[O piloto assobia uma música por alguns minutos].

[Fim da gravação].