Escravidão ainda existe.

A ESCRAVIDÃO AINDA EXISTE.

Por Honorato Ribeiro.

Vou transcrever uma triste história da verdadeira escravidão, ainda acontecida em pleno século XX, já no final. Os nomes dos personagens são irreais, inclusive do protagonista que, auxiliado por Deus fugiu livrando-se dos carrascos o matarem, mas ficou calado, pois se tratava de uma grande fazenda de um político muito poderoso. Eu o entrevistei e publiquei em meu livro: A BIOGRAFIA DE CARINHANHA, No Médio São Francisco, Volume 3º, páginas 35, 36 e 37. Leia com atenção.

De vez em quando a gente assiste notícias nos jornais da Globo e outras TVs, que donos de terras enganam trabalhadores com belas vantagens para trabalhar em suas fazendas. A maioria deles são lavradores desempregados. Mas quando chegam à sua fazenda, transformam-nos em regime escravista. As notícias se alastram em jornais com fotos e entrevistas, mas não aparece nenhum coronel na cadeia. Fica sempre em pune.

No ano de 1962, em Minas Gerais, seu Zeca motorista, filho dessa terra baiana, me contou com lágrimas nos olhos, o que aconteceu com ele numa fazenda de um poderoso político. Zeca motorista, grande mecânico, criado e educado por um engenheiro agrônomo, aprendeu ser um verdadeiro cidadão honrado. Zeca fora, desde sua adolescência, muito inteligente e prestativo. Era casado com Júlia tiveram dois filhos: Um homem e uma mulher. Mas como em Carinhanha não houvesse trabalho, saiu para outras plagas, a fim de melhorar de vida. Chegando a Montes Claros, encontrou um gerente de uma fazenda que estava procurando trabalhadores para trabalhar lá na dita fazenda, onde ele era o gerente. Zeca motorista se apresentou com sua carteira de motorista e mostrou ao gerente, perguntando-o se havia trabalho para motorista. O gerente afirmou que sim e foi contratado imediatamente. Havia muito peão com sua família se inscrevendo para o trabalho na dita fazenda. O gerente pedia o documento de cada um, inclusive carteira de trabalho. Terminado as inscrições, todos subiram no pau-de-arara rumo a tal fazenda. Todos ficaram alegres, pois estavam empregados. Zeca motorista era filho de Salvador, (soteropolitano), menino peralta nas ruas e avenidas da cidade do Salvador, capital da Bahia. A sua mãe, com medo de ver o seu filho um dia ser atropelado, deu-o ao Dr Roberto Ribeiro, engenheiro, a fim de criar e educar, como fora realmente. O Dr Roberto Ribeiro veio com a sua família morar aqui em Carinhanha e trouxe o Zeca, já rapazola. Zeca foi enviado para Pirapora para estudar e tirar carteira de motorista e curso de mecânica. Veio e foi empregado na Comissão do Vale do São Francisco por muitos anos aqui em Carinhanha. O Doutor Roberto mudou-se para Belo Horizonte, mas Zeca ficou, pois já era casado. Foi desempregado e por isso foi obrigado a partir para outros lugares em busca de emprego.

O caminhão subia serra e descia serra, cortava areão, buracos e atalhos; era estrada de chão longe do asfalto até chegou à fazenda onde iriam trabalhar. Todos chegaram contentes sem saber o que iria acontecer. Desceram todos do caminhão. Era cerca de cinqüenta trabalhadores. Lá já existiam muitos morando lá em barracos sem conforto nenhum e sem condições de vida digna. Todos se reuniram à frete da casa da fazenda, quando apareceu o dono com voz autoritária de homem prepotente disse-lhes: “Aviso a todos como vai ser a vida de cada um a partir de agora. Prestem atenção: O pagamento só vai receber depois de seis meses; e não quero reclamação de ninguém. Ninguém vai embora daqui e nem tente a fugir. Se alguém tentar fugir iremos atrás e, se for pego, vai apanhar de chicote de cavalo de lá até aqui. E se reagir, morrerá. Para esse trabalho tenho homens que sabem fazer muito bem e são valentes. Portanto, estão todos avisados. Agora, cada um pega as suas coisas e vai para seu barraco. O que precisarem de alimento será comprado no armazém.”

O medo tomou conta de todos e se perguntava uns aos outros: Meu Deus, que absurdo! Ave Maria! Deus nos livre, pois fomos enganados. Mas um dia deram falta de uma família de três filhos menor de idade. Avisaram ao dono da fazenda que imediatamente mandou seus homens armados e com cachorros e se espalharam pela mata à dentro em busca dos fugitivos. Mas os homens voltaram da busca dizendo que não tinham encontrado. Ninguém soube como eles se escaparam. Pois, na mata, além do perigo de os jagunços pegarem, havia também o perigo de onça comê-los e a fazenda era cercada de serra difícil de subir e descer com crianças pequenas. Mas escaparam.

Zeca motorista encontrou um velho que morava ali naquela fazenda já havia bastante anos como escravo. Tornaram-se amigos íntimos. O velho se chamava Sebastião. Era nordestino. Deixou tudo lá no Ceará e, atrás de vida melhor, acabou ali sem poder mais voltar para sua terra e sua família. Ele jamais pensara que ainda existisse escravidão no Brasil. Hoje está muito pior, pois, naquele tempo era escravidão às vistas de todos e da imprensa. Os poetas como Castro Alves, advogados, padres, defendiam a escravidão. Hoje, que vivemos na democracia, tendo rádio e televisão, estamos aqui clandestinamente e não podemos denunciar, porque o homem é rico e poderoso.

Veja, Zeca, bem ali naquele capinzal, existe escondido um cemitério de gente trabalhadora que tentou fugir e acabou sendo morto. Eu já vi coisas absurdas aqui, meu amigo, de assombrar qualquer ser humano. Agora eu vou viver aqui nessa prisão clandestina sem poder voltar para meus familiares. Agora, se você tiver coragem de fugir, vou lhe ensinar um jeitinho bom e ninguém vai lhe pegar. Preste bem atenção como é que você irá escapar daqui. Você está vendo aquela estrada de rodagem? Todo dia, ali, passa um caminhão carregado de madeira indo para Montes Claro. Bem em frente há uma curva; você espera ele passar na curva, aí, você bate a mão para o motorista parar. Diz a ele que você também é motorista. Mostre a ele a sua carteira de motorista. Como os motoristas são unidos ele lhe levará. Tenho certeza. Conte a ele que você foi enganado. Na hora que a sineta bater para o almoço, você pega o seu e entra na mata; fique a espera do caminhão. Ninguém vai dar falta de você um bom tempo. Vai e que Deus lhe proteja.

Zeca fez tudo certinho como o velho tinha lhe orientado. Quando bateu a sineta ele pegou seu prato e dirigiu-se para a mata e sumiu até chegou ao ponto em que ele deveria esperar pelo caminhão. Mal ele chegou ouviu o barulho do caminhão. Era um FORD cheio de madeira. Zeca ficou à beira da estrada e deu sinal ao motorista para parar. O motorista parou e ele mostrou sua carteira pedindo-lhe uma carona; e contou a ele que tinha sido enganado e estava fugindo. O homem olhou para Zeca e disse-lhe: Colega, é um tanto arriscado para mim e você!...Se nos pegar eles acabarão com a gente. Mas... Vamos arriscar. Suba e fique escondido entre as madeiras e vamos embora. Seja lá o que Deus quiser.

Zeca subiu e o caminhão partiu para Montes Claros. O caminhão sobe ladeira, desce ladeira, curvas e mais curvas. Já bem distante, lá em cima da serra, Zeca olha para trás e vê a fazenda. Observou bem e tudo estava em paz. Os capangas e os peões estavam ainda almoçando. Até àquele momento não sabiam que ele estivesse bem longe fugindo num caminhão de transportar madeira. A sorte estava lhe protegendo. E ele ficou mais alegre quando avistou Montes Claros. Minutos depois o caminhão parou e ele desceu, dando um suspiro de alívio e agradecendo a Deus por ter escapado em leso. Como Zeca não tivesse dinheiro, nem mala, somente com a roupa do corpo, lembrou-se que havia ali a COMOSSÃO DO VALE DO SÃO FRANCISCO e seguiu para lá, a fim de pedir socorro aos companheiros, pois ele já fora empregado nela e conhecia amigos. Chegando lá, pediu ao engenheiro, para que o ajudasse com passagem para ele ir a Belo Horizonte, onde morava o Dr Roberto Ribeiro quem lhe criou. O engenheiro era colega de Dr. Roberto Ribeiro e deu-lhe a passagem. Chegando a Belo Horizonte foi se apresentar ao Dr. Roberto Ribeiro e lhe contou tudo sobre a tal fazenda. O Dr. Quando o viu, ficou bastante alegre, pois já havia muitos anos que não tinha notícia dele. Ficou uns dias com seu pai de criação e depois partiu para Carinhanha. Antes de ele ir trabalhar nessa maldita fazenda, ele já havia trabalhado em Mato Grosso, Paraná, mas não teve sucesso. Já havia oito anos que ele tinha deixado a sua família. Quando chegou de vapor, alguém o viu e correu para falar com sua esposa. Esta que acreditava que o marido teria morrido, pois não sabia do seu paradeiro, desmaiou-se com a notícia. Pagaram-na, deram um copo d` água com açúcar e ela voltou a si.

Esta história verídica que ora escrevi, embora triste, mas verdadeira. Zeca faleceu, depois de muitos anos, trabalhando como funcionário da prefeitura municipal de Carinhanha. Aposentou-se e viveu entre nós até o dia em que Deus o chamou.

hagaribeiro.

Zé de Patrício
Enviado por Zé de Patrício em 28/07/2011
Código do texto: T3124967