DEZ ANOS POR UMA VINGANÇA
Angelina Matos de Andrade, esse é o meu nome! Falou alto e ríspido aquela mulher ainda jovem e atraente cuja altura e vestes elegantes lhe impunham respeito pela aparência. Não que isso fosse necessário. Quem a conhecesse de certo lhe teria respeito pela sua coragem.
Viúva de importante fazendeiro da região, Wanderley Silvério de Andrade, Angelina respondia naquele instante as interpelações do Promotor de Justiça perante o Tribunal do Júri pelo assassinato do homem que matou o seu marido.
Era 24 de fevereiro de 1990. Aquela pequena cidade vivia a efervescência de um sábado de carnaval. Ninguém mais se lembrava do fato ocorrido havia dez anos. Angelina chega sozinha em um carro na rua central da cidade como quem sabe exatamente onde deveria se encaminhar e entra no bar mais movimentado daquele lugarejo, onde o algoz do seu esposo, importante comerciante daquela pequena cidade - que ela morou por vinte e seis anos - bebia despreocupadamente com alguns companheiros. Angelina entra pela porta principal. Todos no local a conheciam e ficaram surpresos com a sua presença ali, só não imaginaram o motivo apesar de saberem do acontecido.
Angelina com uma pequena bolsa na mão chama o assassino do seu marido pelo nome e diz em voz alta:
- “Senhor Antônio Mariano, vire-se! Pois não farei com o Senhor o que fez ao meu esposo, matando-o covardemente à traição... meu nome é Angelina, viúva de Wanderley e vim aqui para lhe matar!”
Nisso ela já empunha a arma, um revólver de calibre trinta e oito que ela manuseia com uma habilidade espantosa. Antes que a vítima pudesse esboçar uma reação ela acerta o primeiro tiro entre olhos de Antonio Mariano que cai, segurando uma arma, de costas para dentro do pequeno mercado público onde ocorria o baile de matinê do carnaval, instante em que a banda ironicamente tocava uma marcha, cujo som enchia aquele ambiente:
“bandeira branca amor, eu quero paz...”
De arma ainda em punho e com os presentes atônitos apenas a assistir àquela cena, sem nenhuma manifestação, Angelina trava um monólogo com a vítima agonizante:
- Você acabou com a felicidade da minha família, covardemente, por causa de um mísero pedaço de chão que não lhe pertencia. Meus filhos cresceram órfãos do Pai amoroso que era, eu tive que viver esses anos todos como uma condenada para criar os meus filhos com dignidade, longe de tudo o que possuíamos. Só uma coisa me movia nessa caminhada dolorosa – o desejo de fazer com minhas mãos a justiça que não foi feita por ninguém aqui na terra e não sei seria feita em outro canto. Prometi isso a mim mesma, mas prometi isso aos meus filhos também, que um dia esse nó na garganta seria botado pra fora cuspindo na sua cara. Nisso, desfere outro tiro e cospe na cara de Antônio Mariano já sem vida.
Passaram-se mais dez anos e agora ela estava ali para ser julgada. O conselho de sentença ao ouvir a promotoria, a defesa e a ré, emite a sentença que é lida pelo Juiz:
“ ...Em resumo, o Conselho de Sentença condena a ré, Angelina Matos de Andrade por homicídio qualificado, reconhecendo a seu favor a atenuante da confissão espontânea. A mesma tem personalidade normal. Contudo agiu com dolo intenso, porquanto desferiu dois tiros na vítima, em região fatal, ambos na cabeça. As conseqüências são típicas da espécie. Assim, justifica pena-base um pouco acima do mínimo, razão pela qual a fixo em 11 (anos) anos de reclusão. Reduzo seis meses pela atenuante da confissão e mais seis meses pelos bons antecedentes, tornando-a definitiva em dez anos de reclusão ...”
Angelina ao ouvir a sentença se volta aos espectadores naquele Tribunal do Júri e grita com um sorriso nos lábios:
- São apenas mais dez anos de prisão e o resto da minha vida com o coração liberto!