Solstícios de Inverno
Solstício de inverno
.Naquele dia Juliana completava quarenta e cinco anos. O mês era julho. Mês de inverno, onde as noites são longas e os dias mais curtos Aquele dia amanhecera coberto por um nevoeiro e estava frio como costumava ser o inverno na maior parte do Brasil.
Juliana não dormira bem a noite. Sentia-se exausta.
Já há um bom tempo lutava contra um câncer de pulmão. (provavelmente causado pelo uso tabaco).
Mesmo sofrendo terríveis dores e sem esperança de melhora devido a metástase , não sentia totalmente infeliz!
. Filha única, ficara órfã logo ao nascer, pois sua mãe morrera por complicações no parto. O pai desgostoso saiu pelo mundo deixando-a aos cuidados de seus avós maternos.Formara em sociologia na Faculdade Federal da capital do estado.
Não casara nem tão pouco tivera filhos apesar de amar crianças. Mas vivera um intenso amor!
Vivera “literalmente” por varias vezes as características peculiares de cada estação.
.Depois de tomar remédio para aliviar as dores terríveis, Juliana amparada por Shirley sua companheira nos últimos anos,se dirigiu a cozinha que ficava separada do resto da casa sentou-se em uma poltrona macia que ficava próximo ao fogão a lenha, cobriu-se com uma grossa manta.
.A bondosa companheira anunciou que iria ate a panificadora que ficava a três quadras dali.Somente se ouvia o som do crepitar do fogo do fogão a lenha.
Ela puxou mais a manta para lhe cobrir os braços e seus olhos se fixaram nas pequenas labaredas que mudavam continuamente de forma e de cor.E naquele calor morno as lembranças povoaram sua mente.
. A principio mostrara ser de talhe fino, no entanto com o passar do tempo tornou-se uma criança vigente.
. Nascera e vivera ate aos dezoito anos numa casa antiga de portas e janelas de madeira e pisos assoalhados situada numa pequena cidade a leste do estado de Goiás. Quando criança vivera num mundo mágico... “o quintal de sua casa”.Além de degustar das mais variadas frutas ali sazonadas,vivia a magia de deslumbrar a luz dourada do nascer do sol embrenhada no bambuzal que ficava paralelo a cerca de arame farpado que delimitava seu quintal ao da vizinhança. Também paralelo a cerca mas em lado oposto ao bambuzal ficava um imenso bananal,onde a magia era bem mais “ concentrada”,pois na sua fértil imaginação, numa linda casa escondida entre as folhas viviam duas pequenas senhoras, uma loira muito bonita que atendia pelo nome Maria Pão de Queijo, a outra, Maria Rapadura tinha a pele de cor mais escura, no entanto, de igual beleza e donas de belíssimos par de asas. Nas noites de inverno enquanto cochilava próximo ao “rabo” do fogão a lenha ela sempre dizia a avó que tais criaturas a alimentava com deliciosos pão de queijo recheado com rapadura e, depois a levava para um passeio alado sobre a cidade e em seus arredores onde podia vislumbrar o magnífico cerrado com suas arvores retorcidas e suas variadas flores.
Apesar de não ter nascido em berço esplêndido tivera uma belíssima festa de debutante.
. A menina loira , corpo esguio e olhar cor de mel florescera para a sociedade como uma das mais lindas e delicadas rosas num jardim de primavera. Dos dezoito aos dezenove anos sofrera duro golpe com a morte (um após o outro) de seus amados avós.
.Juliana deixara sua terra e partira para a capital onde mais tarde formara em sociologia.
Conhecera Leonardo, colega de classe.Tornaram –se inseparáveis, e daquela constância nasceu um intenso amor que foram vividos como os dias quentes de verão. A companhia de Leonardo era bastante agradável. Adepta da liberdade,dona de seus desejos , queria investir em sua carreira profissional, viajar pelo mundo dedicar-se a causa humana enfim viver outros momentos.Leonardo , no entanto alegou não poder acompanhá-la pois sua mãe dependia dele.Viviam somente os dois., ela sabia e entendia, mas seu espírito aventureiro venceu. Separaram com pesar e com a promessa de um breve reencontro.Durante o primeiro ano mantinham sempre contato. Pouco mais de um ano Leonardo já não era tão constante. Dizia estar muito ocupado, ate que uma carta anunciou sua nova paixão. Em breve se casaria. Decepcionada Juliana amassou a carta e jogou-a no cesto de lixo.Fizera uma escolha,...estaria também tão apaixonada? Como no verão os dias são os mais quentes do ano, entretanto ocorrem chuvas torrenciais.
Vivera outros amores,mas não tão intensos. Tornara-se uma mulher altruísta.Como no outono quando a maior parte dos grãos nascem ela continuou sua vida de doação aos mais necessitados, era livre e feliz ate que descobrir estar com câncer . Ficou por mais um tempo ate que não podendo mais continuar voltara para sua terra natal, para sua antiga casa.
As labaredas continuavam a crepitar. .Lá fora o frio castigava. Ela fechou os olhos imaginou o quintal... de repente sentiu como se seu corpo todo estremecesse para em seguida ser tomada por uma grande paz. Ao abrir os olhos deparou-se com as figuras de suas pequenas amigas a tempos esquecidas. Levantou-se sentindo-se leve e muito bem. A porta da cozinha se abriu e o quintal antes encoberto pela neblina trazia agora uma claridade especial! Um par de asas apareceram em suas costas. Ela voou para o céu azul com suas amigas mágicas . Shirley abriu a porta adentrou e fechou rapidamente.
Na cozinha o corpo de Juliana jazia imóvel em posição fetal na poltrona macia. As chamas no fogão continuavam bruxuleantes . O frio continuava mas a neblina havia se dissipado.Gotas finas escorriam pela vidraça como lágrimas rolando pela face...A porta que dava para o quintal estava fechada,continuava o solstício de inverno. Para Juliana iniciava uma nova estação!