SORTE OU AZAR DE NICANOR SALDANHA
A vida de Nicanor Saldanha não era ruim, mas também não era boa. Trabalhava na marcenaria do senhor Genival Caetano como ajudante geral e ganhava um salário mínimo por mês. Tudo bem que ele era sozinho, mas só o aluguel já lhe tomava metade dos ganhos mensais. Além disso, ainda tinha que pagar água, luz, supermercado e outras coisas que deveriam estar aqui relacionadas, mas o dinheiro não permitiu.
A última namorada o deixara havia mais ou menos três anos e, até então, ele não se relacionara com mais ninguém. Não por opção, mas por vergonha. Sim, vergonha de sair de casa e frequentar os lugares nos quais possivelmente poderia conhecer alguém. Vergonha de ter somente aquelas roupas surradas pelo trabalho.
Poderia ele pensar que quem tivesse interesse deveria aceitá-lo como era, mas esse tipo de pensamento não passava pela cabeça de Nicanor. Orgulhoso? Não, Nicanor Saldanha não era orgulhoso. Pra falar a verdade nem amor-próprio o pobre ostentava ultimamente.
Sentia-se um fracassado, um sonhador com sonhos apagados, um sobrevivente, um homem entregue aos dissabores da vida.
Sem querer trazer contentamento ao leitor, certo dia, um dia realmente inesquecível, Nicanor tirou a sorte grande. Encontrou na beira da sarjeta, quando voltava do trabalho, um bilhete de loteria. Guardou-o no bolso da calça. No outro dia, pela manhã, correu para a lotérica antes de ir trabalhar e, como era de se esperar, de quem por estas linhas percorre o olhar, o bilhete estava premiado. Nicanor Saldanha ficou milionário. Desapareceu. Não passou na marcenaria nem pra dizer adeus.
Sentia-se um vitorioso, um sonhador com sonhos iluminados, um Bon vivant, um homem entregue aos sabores da vida.
Nicanor foi conhecer o mundo. Uma nova namorada por onde passava. A conta era por sua conta. Festas e mais festas. Viagens e mais viagens. Carros e mais carros. Mulheres e mais mulheres. Prazeres e mais prazeres. Até que um dia – exatamente isso – o dinheiro acabou. Nicanor não poupou, apenas gastou. Acabaram-se as festas. Foram-se as viagens. Os carros vendidos para pagar as extravagâncias. Mulheres? Que mulheres, que nada. Os prazeres foram “desprazidos”.
Nessas circunstâncias não lhe sobraram alternativas, então, feito cachorro perdido que caiu da mudança em dia de chuva, Nicanor Saldanha implorou sua volta ao senhor Genival Caetano para o antigo trabalho. Àquela altura caberia muito bem uma demissão por justa causa, pois já havia configurado abandono de emprego, mas senhor Genival, homem de bom coração que era, aceitou dar uma chance ao novo antigo funcionário.
Nicanor retornou a antiga vida, mas não voltou a ser o antigo homem, aquele condenado ao fracasso. Qualquer um podia observar que a esperança brotava em seus olhos a todo instante.
E, todos os dias, ao regressar para o lar, Nicanor Saldanha caminhava olhando para o chão. Não, não estava cabisbaixo e não era tristeza, era a esperança de encontrar outro bilhete premiado.