Quase portuguesa

Uma maneira de falar que hipnotiza a qualquer um, acredito que ninguém nunca descobrirá como a garota encanta tão facilmente. Ela sorri, e BANG, lá está mais um louco, insano, perdido em cada movimento que faz a boca bem feita da moça bandida que rouba sentimentos. Não, não adianta passar a noite acordado tentando entender; Aqueles olhos são únicos, falam por si só, a silhueta causa desejo de segundo em segundo… E como ela movimenta as mãos? O movimento das mãos é fascinante. A delicadeza como movimenta aquelas mãos acenando para mim. Há dias que coloco a cabeça no travesseiro, fecho os olhos e penso: tua imaginação velho, tua imaginação. Mas amanhece, e vejo a moça ir comprar teus pães e do outro lado da rua ela acena para mim, e eu para ela e está aí, mais um dia ganho só por conta de uma acenada. "O que está havendo contigo, velho? Anda sonhando demais". Falo comigo mesmo. "Não sei, não sei. É apenas mais um dia ganho… Por uma acenada."

Mas isso foi muitos anos atrás. Hoje... Hoje eu estou velho, travado de todas as formas possíveis. A minha vida passou e eu não vi. Hoje, eu me sento numa poltrona de tecido rasgado, fumo meu cigarro barato e tomo meu uísque de mesma qualidade - baixa. A única coisa que consegui trazer e levarei até o leito de morte é a moça bandida que rouba sentimentos. Toda a fórmula era baseada no charme único que ela produzira sem perceber. Quase portuguesa não é algo que se diga para todas as raparigas que saem d'um canto e partem para Portugal: quase portuguesa é uma rapariga única. Eu não me esqueceria nunca de como ela acenava para mim, e de longe, eu imaginara um romance de um velho qualquer com uma rapariga tão formosa. Ela deve ter tido teus três filhos com um homem bem sucedido financeiramente, deve ter uma casa re-al-men-te boa e dormir em sono sossegado. Eu não tenho nada. Nunca tive nada para oferecer, mas tem algo meu com ela... E algo dela comigo. Um velho, amigo distante, diria que ela era a rapariga que eu nunca tocara, mas escrevia sobre e guardava dela poucas fotografias. O que eu tenho, e que ninguém terá ou oferecerá a ela jamais, é uma coisa mais valiosa que qualquer grana de um bacana possa oferecer: ela tem sotaque nordestino e português de Portugal, ela acenou para mim de longe todas as manhã de um verão inteiro e sorriu, e dentro de todos os meus livros e histórias, ela é a-rapariga-quase-portuguesa e, sem saber, me fez por uma única vez, narrar um romance inexistente no que chamam de vida-real, e existente em todas as palavras que escrevo.

Lorena Colnago
Enviado por Lorena Colnago em 17/07/2011
Código do texto: T3101562
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