O vazio, o amor, a puta, e Balzac

Marina acabava de acordar, acordara com o silêncio da casa, que é sempre atordoante, caminhou de meias até o banheiro, lavou o rosto e viu-se no espelho da pia, um rosto um tanto cansado, borrado, voltou pro quarto fechado em quatro paredes, olhou pro relógio que marcava 10h37min, “Foda-se, hoje não vou à escola.” Pensou Marina, vai até a cozinha, sua cabeça lateja de dor, talvez uma ressaca, ou uma enxaqueca, abre o armário e toma alguns comprimidos, não tem muita certeza de que os comprimidos são para enxaqueca, na sala ela liga a TV, desliga, não há nada de interessante em exibição, não tem paciência pra dar uma olhada na programação, então volta pro quarto, escova os dentes, na cozinha outra vez, abre o armário, não tem nem meia garrafa de vodca, a mãe deve ter se livrado de todas as bebidas, mexe nas gavetas e encontra um maço de cigarro escondido por debaixo de uns panos de prato, a mãe não sabe sobre os cigarros, volta para o quarto, apanha um isqueiro na bolsa, nota o esmalte arranhado na unha do polegar, acende o cigarro, traga, desata a tossir, pode-se ver a tosse soergue-la da cama, não está acostumada a fumar, na verdade ela não faz a menor idéia do que está tentando fazer, então percebe-se um pouco boba, afinal, tudo o que faz é sem saber ao certo porque o está fazendo, não sabe porque fuma, nem porque bebe, faz sexo, mas as vezes é entediante, lê revistas adolescentes, mas guarda em segredo uma preferência por Balzac, 17 anos, deitada sobre a cama, sozinha (o que é raro!) usando uma calcinha de algodão infantil e uma camiseta velha, masculina, não se sabe de quem, com um cigarro entre os dedos, “vulgar...fútil...” são as palavras que lhe vem em mente, não passa disso, sua imagem no espelho, lembra-se ela, assemelhava-se a de uma prostituta, uma puta...não, uma puta que lia Balzac, traga, sopra a fumaça pro outro lado, esboça um sorriso, então ela tem uma leve lembrança da noite passada, alguém havia dito que a amava, fez um esforço pra lembrar o nome, o rosto, a voz, qualquer coisa, não adianta, então diz a palavra “...Amor...” e repete, repete até que perca o sentido, então para, silêncio, a palavra está perdida, entre todas as outras, permanece por alguns minutos a olhar fixamente para o vazio, a procura dela, digo, a palavra, então encontra, o “amor” ainda ecoa, ainda está ali, em algum lugar, ela pode escutar.

WsCaldas
Enviado por WsCaldas em 16/07/2011
Reeditado em 17/07/2011
Código do texto: T3099438