Sofrer e sorrir!


O homenzinho descia a ladeira com passos ligeiros.
Seus olhinhos miúdos pareciam fixos no chão, mas não, percorriam aqui e ali
Registrando tudo.
A ruela suja e mal cheirosa deixava claro o desleixo dos moradores da favela.
_Preciso chegar logo, resmungava com seus botões, senão a Ana morre.
Logo, logo, logo..parecia ouvir o som dos seus passos descalços nas poças d’água da chuva que caia fininha e interruptamente.
_Credo Zelú onde vai cum tanta pressa home?
_Gora num posso prosea, a Ana ta parindo, vou buscá Dona Rosalva...
Num posso prosea.
-Mai já tá no méis dela?
-Tá não, foi o tiroteio de onte que assusto ela, mas num posso proseá.
Sai ... sai da frente num me atrase, ora...
Cê ta muito nervoso, home se acarme, intregue nas mão de Deus.
Que Deus? Me dexe!
Zelú era ssim, numca tivera sorte com mulheres, mas um dia apareceu a Ana.
Mulatinha bonita, pernas roliças corpo bem feito, namorava um “Mauricinho da cidade”
Que depois de engravidá-la a abandonou.
Depois disso Ana passou a fazer a vida aqui e ali.
Uma noite, após violento tiroteio entre policiais e traficantes, foram se esconder
No mesmo beco ali perto da venda de seu Manoel atrás da lixeira.
Ana agarrou-se em Zelú tremendo de medo.
_Carma moça...Corage.
Ele estava também morto de medo,
Mas gostando do calor do corpo feminino.
_Me abrace, me abrace que eu to cum medo Zalú.
-Craro, abraço sim.
Já amanhecia quando o tiroteio acabou, mas eles continuavam abraçados.
Com os olhos cerrados Zalú sonhava.
Desejava tanto amar, ser amado nem fosse por uma zinha igual a Ana.
-Ana, o tiroteio acabô.
_hum hum... Zelú? Cê pode me levá pra tua casa?
Pelo meno por uns dia?
Num to podendo trabalha...
_Zelú ficou mudo, mal podia conter a emoção.
_Craro...craro..Vamo eu levo ocê.
Os quatro meses que se passaram mudaram a vida dos dois.
Ana carinhosa e amiga deixava o barraco brilhando, as roupas limpas e concertadas
Comidinha simples, mas feita com carinho.
Zelú amava Ana
Ana amava Zelú.
Mas...
-Zalú... Acorda...Tá ouvino? È tiro... que vida...
_Carma Ana Carma, o baruio tá longe... Num ai de ser aqui...
Mas era!
_ Vem Ana, vem pro esconderijo. Nóis tá seguro lá.
Depois que Ana veio morar no barraco, Zalú, pensando no bem estar dos dois,
Cavou um pequeno túnel uns três metros de extensão largo o bastante para se esconderem
Se houvesse algum ataque de traficantes ou policiais.
A entrada do túnel que ficava no canto direito do único cômodo
Da casa, bem em frente ao fogão, ganhou uma cobertura de madeira, que Ana disfarçava
Com um tapete de crochê, que ela mesma teceu com sacolinhas plásticas.
Zalú segurando firme a mão da companheira apagou a luz e a guiou para o esconderijo.
Entraram , ele cuidadosamente fechou a entrada, mas a lanterna não acendia.
Será que tá sem pilha?
Ana apavorada, mal respirava.
_Ave Maria cheia de graça, rezava em pensamento. Enquanto que
Que Zulú, blasfemava.
_Num dá pra guenta vivê fugindo, cum medo! Nun dá!
Passaram boa parte da noite ali, entocados como bicho.
No escuro, com frio, com medo.
_Num to escutando baruio nenhum mais.
_É... Acho que acabou!
_Pera, vou assuntá... Pode vim...Tá Carmo.
Devagar saíram do túnel.
Zalú acendeu a luz, Ana atrás...
_Vigê Maria, Pai do Céu, oia Zalú.
_Ara!!!! È sangue Ana, é sim. Entre no túnel, corre.
_Tem alguém aqui? Responde, noi num vai te fazê mar.
Um chorinho fraco se fez ouvir
_sei que oce tá debaixo da cama, sai...
_Num me mate pelo amor de Deus!
_Mai ocê é o Zeca, uma criança.
A Policia entrou lá em casa, eu fugi. To ca perna atirada, por isso o sangue.
-Ana ouvindo a conversa já tinha saído, providenciado um pano molhado
Para limpar o ferimento do Zeca.
Por impulso carregou o menino e o fez sentar encima da cama.
_Cuidado Ana! Ce tá de bucho, num pode se esforçá.
_To bem , eu to bem!
_Zeca, cê teve sorte, foi só um arranhão.
_Vá pra casa, sua mãe deve tá aflita.
_Sorte eu te me escondido aqui, eles iam matá eu!
_Mai como entro?
¬_Subi no barraco e abri um bucaco no zinco.
_Minino forte sô já tem 10 ano?
_Já tenho onze. Quando eu cresce mai um poco, vou matá
As pulicia e os bandido que relá em mim e na minha familha,
Nos meu amigo...
_Dexa de prosa, vai vai...
Ana mal ouvira a conversa dos dois.
_Môr! Eu acho que vo parí! Ta aumentano muito a dor.
Vai chamá a dona Rosalba, vai?!
_To indo, já volto cum ela.
_Dona Rosalva, Oi Dona Rosalva!!!!!
_Quié fio entra!!!
_È pra Ana, dona Rosalva...
_Num posso atendê fio, to cum febrão e essa chuva...
Respondeu A sra lá de dentro da casa.
_Eita...E agora? Vo vortá fazê o que! Vou eu memo ajudá a Ana.
Lá vai Zalù no meio da noite ou melhor já amanhecendo, correndo
Ladeira acima. Preciso corrê, senão Ana morre.
Já avistava o barraco.
_Eita, que será, gente lá em casa...
Lá vem Zeca pulando só com uma perna...
Zelú... A mãe tá côa Ana.
Ela veio agradece. Cade a partera?
_Num pode vim.
_Ara...Só criança mai num sô surdo, a mãe disse...
_Cale a boca Zeca.
Era Dona Maria advertindo o menino.
_Ce num sabe de nada, vai cuidá do seu irmão!
E chamando Zalú de um lado. Mior levá ela pra maternidade.
Por sorte o Zé ta co caminhão da firma.
A Ana quis te esperá, mai tem que apressá, ela ta sangrando muito.Cê sabe...
_Bamo imbora agora, eu carrego a Ana.
Ana aconchegada nos braços do companheiro, respirava com dificuldades.
Sua voz recortada pelos ais, comovia.
_Amo... Ocê...Amo...
_Amo ocê tamém mai se aquiete...Tamo chegando no hospitar. Já já ocê sara.
_Seu Zé desceu do caminhão em frente a Maternidade.
A Atendente, displicente, olhou Zelú com Ana no colo.
_Tem leito não Sr, talvez na Sta Isabel...
_Zelú virou bicho.
_Pois vai tê que tê. Minha muié ta morrendo, e tem que sê atendida.
E foi entrando corredor à dentro.
_Ei moço, espera! O Sr. Não pode entrar.
_Deixe-o enfermeira, vou examiná-la.
Coloque-a aqui, por favor, e aguarde lá fora.
_Sim Sinhor.
Minutos depois, que para Zelú pareciam horas, voltou a ver a enfermeira.
_Sr. José Luiz dos Santos?
_E eu?!!
Dr. Rodrigo pede que o Sr. Entre.
_Sr. José Luiz, o estado de sua esposa é grave. Vamos tentar uma cesariana, mas...
Ela precisa de doadores de sangue...
Assine aqui por favor é uma autorização...
_Dr. Salve minha Ana ela é tudo o que eu tenho, pode tirar meu sangue.
Vou falá com o Zé ele não vai negar também
_Aguarde lá fora por favor.
O dia se arrastava lentamente. Cinco horas da tarde.
Em vão seu Zé tentou tirar Zelú dalí, para que ele comece alguma coisa.
Nem mesmo a vitaminada após a doação de sangue ele quis provar.
_Zelú tenho que ir trabalhar, mais tarde a Maria vem saber noticia...
_Vai home, brigado viu, cê foi amigo memo!
_Enfermeira, por favor, de noticia da Ana.
Ana Maria da Cruz Leme.
_Está na sala de parto Senhor. Espere... Já está no leito... Passa bem.
_E o nenê?
_È uma menina, inspira cuidados.
_Que?...
Está quase no horário de visitas o senhor poderá vê-las, aguarde.
Zelú mal podia esperar...Uma menininha...
¬_Uma companheira, uma criança que vou amar como filha.
Mas como vamos vivê? Não posso continuá catanto lixo!
Quero saí da favela... Te uma casa bonita!
_Visitas liberadas. Uma pessoa por leito, por favor.
Peguem a senha.
_Oiiii!!!!
_Zelú... Olha nossa filha. Num é prematura, o dr. disse que é do tempo.
Mi inganei nas conta. Olhe ela...Cê vai gostá dela Zelú?
_Por que num haverá de gostá?
Se gosto tanto da mãe.
Riram.
Três dias depois estavam em casa.
Ana ainda meio fraca pelo esforço do parto recebia dona Maria
Com alegria. Ela a auxiliava com o bebê.
_Já escolheram o nome?
_Já sim... Maria Vitória. Quero pergunta uma coisa... Querem sê meus cumpadre?
A sinhora e seu Zé?
_Com muito gosto, Hoje mesmo falo co Zé. Daqui a pouco ele aparece por aqui,
Parece que tem novidade boa pra oceis.
_Memo? Que é?
_Coisa boa...Emprego.
-Virge Maria santa... O Zelú anda procurando mai...
_Pois se alegre. Se tudo der certo, vamos todos sair da favela, até nois.
_Olha o Zé e o Zelú. Pela cara do Zelú o Zé já contou pra ele.
_Ana ocê nem vai creditá...
_Fale cumpadre, exprique pra ela.
_Oi Comadre tá bem? E a Maria Vitória?
-Tudo na paz do Senhor.
_Então... O meu patrão comprou uma fazenda lá no interior do Paraná.
Meio longe, e tá precisando de um caseiro de confiança que não tenha muito filho.
Pensei em vocês e ele ficou interessado, agora, vai de vocês querem ir.
_Nossa sinhora, nóis vai de oio fechado né Ana?
_Vai sim, mais e os cumpadre?
_Pois é... Ele quer que eu mais Maria e nossos dois filhos vá também.
-Vai ter muito serviço lá, vão mexer com leite, queijo.
Já andei levando pra lá umas maquinas modernas...
O salário vai ser bom! Tem mais gente morando lá, que se mostrar confiança ficam.
Tem escola perto e o meu serviço vai continuar sendo de motorista.
Levar o leite as coisas da fazenda, sabe como é.
Nessa ida, levo as crianças pra escola.
_Oia o Zeca...
_ Sarô a perna?  E aí? Contente de estudá?
_Quase são! Craro, nem vou ser mais matador...Quero agora ser Dr.
Todos riram.