AINDA SOMOS SEIS MAS JÁ FOMOS FELIZES Parte I - Cap. VI

O avô - o pai da mãe - gostava mesmo era de contar histórias, de desenhar - ele era um artista - e de fazer jogo da Loteria, aquele da zebrinha.

Usava óculos bifocal e ficava queimando a mão da gente com a lente exposta ao sol. Dizia que era mágica e a gente acreditava.

Inteligente, ele. Inventou um monte de jogos que a gente jogava pra caramba, mas hoje, não lembra mais.

Eu lembro um dia que tinha Cavalhada - uma festa folclórica, linda demais - e eu pedi pra ele me dar dinheiro pra eu ir.

Ele olhou feio pro meu short e minha mini blusa e disse que não tinha.

Aí, passa lá do outro lado da rua, a Aparecida, uma moça que secretariava minha avó, junto com a irmã dela, as duas de saia cigana e blusa cacharrel - trinta graus à sombra, gente! Aí o avô me sai com essa! Chama as duas e dá quinhentos cruzeiros pra cada uma.

Aahh...então é assim? Peraí. Entrei. Quando voltei, a história era outra.

Eu tava de calça comprida e blusa de lã. O avô, muito do contente, me deu então mil cruzeiros. E eu, mais contente ainda, botei o meu short e minha mini blusa e fui pra cavalhada.

Nunca deixei ninguém mandar em mim.

No dia da árvore eu ganhei o concurso de desenho na escola, mas quem desenhou foi o avô, meu "puxa". Concorrência desleal da minha parte, ele era um artista.

Ele vivia lembrando o dia que eu, pequenininha no colo da minha mãe, apontei o dedinho pro céu e disse: "óia a lula, vovô".

Tinha outra coisa que ele gostava de fazer que era andar no mato - a mãe puxou foi por ele!

Eu ia com ele nessas andanças, porque eu gostava do sol, do cheiro do mato e muito mais ainda, dele.

A gente andou muito, conversou muito.

Ele me contou todas as histórias de princesas que existem no mundo inteirinho, empurrou por vezes sem par a minha gangorra fantástica que ele mesmo fez pra mim. A gente foi muito companheiro debaixo da parreira de uvas, sentados naquele banquinho, onde eu grudava nele também, amando muito sem saber que era amor, compartilhando nossos segredos mais que secretos.

Se eu fui princesa naquela corte imaginária, ele foi o rei mais real que eu conheci, dominando todos os nossos vassalos de faz de conta, enquanto passeávamos por nossos jardins e pomares e hortas.

Eu fui sua fã incondicional diante de suas obras de arte, das quais, infelizmente, não tenho nenhuma.

Meu avô - esse - foi o historiador responsável pela minha vida de conto de fadas.

Depois, num dia muito banal, meu avô também se cansou e foi embora da minha história.

Eu ainda estou por aqui.

Isabel Damasceno
Enviado por Isabel Damasceno em 06/07/2011
Reeditado em 18/09/2019
Código do texto: T3078758
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