AINDA SOMOS SEIS MAS JÁ FOMOS FELIZES Parte I - Cap. V

Êita, casarão bonito!

Grande. Grande, não. Enorme.

Um quartão só pra mim e mais um tantão de outros quartos, fora o quarto de costura, duas salas, uma copa que valia por três, cozinha, "coberta", um quarto de banho com banheira e tudo - água quentinha de serpentina - privada separada, um cômodo com o lavabo e um armário embutido, onde a avó guardava as toalhas e os lençóis, alpendre, garagem, ateliê - porque meu avô era um artista, chiqueiro, galinheiro, jardins e mais jardins, um quintal do tamanho do mundo, onde cabiam pés de abacate, de manga, de jabuticaba, de banana, de pera, de maçã, de carambola, parreira de uva com banquinho embaixo, laranja isso e laranja aquilo, limão, romã, pitanga, amora, cana e ainda uma horta com tudo que era verdura.

Um quarteirão inteirinho pra eu instalar meu castelo e minha corte.

A avó, bem gorda, gostava de mim um tantão assim, do tamanho dela. Era muito!

Ela gostava era de fazer doce e eu gostava era de raspar os tachos dos doces que ela fazia.

Delícia jamais esquecida.

Duas horas da tarde acabava o mundo.

Podia morrer o Papa, o Bispo, o vizinho, não tinha "meu bem me dói".

A gente - a avó e eu - sentava no sofá azul e verde e grudava os olhos na televisão - ô invenção mais maravilhosa! - pra assistir "Pingo de Gente". Um festival de lágrimas! Eu me sentava tão grudada na avó que quase entrava dentro dela. Uma avó como aquela, tão branquinha e fresquinha, cheirosa de talco e cabelo "partido" de lado, com vestidos que tinham dois bolsos grandes na frente, um pra guardar o pente e o outro pra guardar o lenço que ela usava muito porque chorava muito e que me ensinava tanta coisa boa, eu amava pra lá da conta, mas como não sabia ainda o que era amor, me bastava grudar nela daquele jeito.

Depois do "Pindo de gente", tava liberado. Obrigação agora, só mais tarde, na novela das oito.

Os primos gostavam de me ajudar a sonhar de reinar e vinham todo dia pra casa da avó e aí a gente fazia era estrepolia mesmo.

Num dos meus milhares de dias mágicos, o pai chegou lá e me deu de presente um bambolê preto, enorme, gigante mesmo - o pai gostava de mim.

Eu acabei de cama, dura feito um pau, de tanto bambolear.

Depois foi no fim do ano, aquele surpresão.

O "Deus te pague" - meu tio que era dono de um depósito de pão, um precurssor das lanchonetes e que tinha esse apelido por dizer Deus te pague pra todos os fregueses - telefonou dizendo que o ônibus tinha trazido de Itaúna, a minha cidade, uma encomenda pra mim.

Que eu corresse.

Eu corri.

Era o pai de novo.

Ele tinha me mandado um ramalhete enorme com um cartãozinho

- que eu ainda guardo - dizendo assim: " Feliz Aniversário e parabéns pela promoção" - é que eu tinha passado para o terceiro ano.

É...o pai me amava mesmo e demonstrava isso como ninguém.

E foi assim que eu ganhei minhas primeiras rosas, justinho quando completei nove primaveras.

Saudade, muita saudade!

Da avó, do avô, da casa...

Mas saudade sem tamanho é do pai.

E das rosas.

Daquelas...

Isabel Damasceno
Enviado por Isabel Damasceno em 06/07/2011
Reeditado em 18/09/2019
Código do texto: T3078673
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