AINDA SOMOS SEIS MAS JÁ FOMOS FELIZES - Parte I - Cap. IV
Bem pertinho da casa tinha o Grupo Escolar e o Jardim da Infância -que eu não entendia porque era chamado de "jardim" - de onde eu tinha saído no outro ano.
Finalmente eu estava do lado de lá da fronteira!
No Grupo Escolar!
Sete anos!
Primeiro ano!
Um mundo todinho novinho em folha!
A sala de aula era bem grande, com um tantão de carteiras pra gente se sentar de dois em dois, o que facilitava, e muito, a conversaria.
O uniforme era azul marinho - por que marinho? - e branco e a saia era "plissada"!
Eu estava era no céu!
Gente, era tanta novidade!
Pasta, caderno, livro, quadro negro, giz, dever de casa em folha mimeografada...
O avô - o pai da mãe - me deu de presente uma lata de lápis de cor - um luxo! - com trinta e seis cores diferentes e os lápis eram grandes.
Nunca mais aquela caixinha de papel com seis lápis pequenininhos.
A lata era um lindo estojo da Faber Castel, toda pintada de personagens muito amigas minhas - as princesas. Todas elas.
Eu me recordo muito bem que as cores que eu mais gostava era o verde da prússia e o rosa salmão. Nomes LIIIIINDOS, não acham?
O Grupo, o uniforme, a pasta, a lata de lápis tão lindos...eu não cabia em mim de tanta felicidade.
Logo no primeiro dia de aula, a secretária apareceu lá na sala - na MINHA sala - dizendo que o preço para participar da "caixa" era de vinte centavos de cruzeiro e quem pagasse esse preço passaria a ter o direito de merendar na escola o ano inteirinho.
Que delícia!
Adivinhem se eu comi com farinha o juízo da mãe e do pai!
No dia seguinte, ela - a secretária - voltou para recolher o dinheiro, e eu, mais que depressa, levantei para entregar, toda feliz, a minha "pratinha".
Na pressa e falta de costume, tropecei no enorme pé de ferro trabalhado da carteira e estatelei pelo chão da sala, batendo bem forte, o peito no chão.
Que dor!
Faltou-me o ar mas sobrou-me a vergonha.
A linda saia plissada foi parar na nuca e as risadas dos colegas, o silêncio indiferente da professora e o piedoso "coitadinha, machucou?" da secretária, foi um estrondo quase insuportável de ouvir.
Com os olhos rasos d'água, tasquei um orgulhoso "não senhora" e voltei humilhada pra carteira.
Na hora do recreio, já esquecido o "sucesso" iniciante, depois de ir até a cerca acenar para a mãe, que lá do nosso "terreiro" ficava me olhando brincar, entrei serelepe na fila da "caixa", aspirando aquele cheirinho maravilhoso que se espalhava pelo pátio todo.
Quando chegou a minha vez, a cozinheira despencou no meu prato um grude tão pesado que quase o arrancou da minha mão desprevenida. Mas o cheiro continuava bom!
Sentei num cantinho meio parecido com o jardim de algum palácio e coloquei na boca a primeira - e última - colherada.
Será que alguém já comeu catarro cozido?
Ninguém?
Nem eu.
Mas deve ser igualzinho.
Só que disseram que era mingau de aveia.
Devolvi o prato, vitoriosa por ter conseguido não vomitar.
Nunca mais merendei na "caixa" daquele Grupo.
E nem contei pra mãe nem pro pai.
Era capaz de apanhar, se contasse.
Depois, tinha a Rosilane, uma colega rica que morava numa casa em frente à pracinha que ficava em frente ao Grupo e que tinha televisão colorida, onde eu assisti à final Brasil x Itália, da copa de 1.970, sem nem saber direito o que era aquilo. Ela, a Rosilane, levava pão com mortadela todos os dias, tanto que enjoou e passou a dividir comigo e a Berenice, outra colega que também nunca mais merendou na "caixa" depois do primeiro dia. Trauma total!
Essa sim, era a "caixa" que eu queria.
Eu passei para o segundo ano e fui cursá-lo na cidade da avó - mãe da mãe. Foi por isso que eu morei com ela um ano inteirinho naquele castelão de quarteirão inteiro.
Depois, numa outra escola, num outro bairro, numa outra vida, quando a gente teve que ir morar com a mãe do pai, eu passei por outro tombo parecido, mas aí já é outra história.