UMA EXCELENCIA - CAUSO DE INFÂNCIA - LIA LÚCIA DE SÁ LEITÃO - 03/07/2011

Interessante escrever causos inusitados, estou amando porém ainda não cheguei ao clímax de perfeição. Adei olhando na rede a teoria da redação é bem simples, narrativa objetiva, terceira pessoa, inicio meio e fim como um raio. Pensei, pensei e pensei, mas assim como darei os detalhes do ambiente, da História de um protagonista que só e personagem porque antes foi celebridade familiar, diria um cometiante tomemos como um neologismo da autora, algo advindo de cometa, rápido, efusivo e pimba! Celebridade dos causos inusitados de família, amigos, social e até mesmo do maravilhoso.

Pois bem, certo dia numa dessas reuniões de família, todos na varanda da casa grande, olhando o canavial, as mulheres que passavam com uma fila de filhos, os homens que acenavam com o chapéu como se o tempo não tivesse passado na hora de cumprimentar alguém da casa grande, mas todos tinham um rack (raqui paraos pernambucanos) de prensado bem moderno e bonito comprado na loja chique da cidade, um carregador de celular desses de ultima geração, uma televisão de LCD, um DVD, um mega som desses que tem até computador de bordo em suas humildes casas de taipa e o disparate, na casa grande ainda reinava uma PHILIPS tradicional, para aquela televisão posta numa mesa de madeira de pau ferro trazida da cozinha e metade pátina metade madeira crua a tecnologia melhorou simplesmente a comodidade dos espectadores porque tinha um velho e desgastado controle remoto, abaixo do tampo principal da mesa, tinha uma pateleira que ficava um video cassete de sete cabeças, o cúmulo da idade da pedra tecnológica e abaixo dessa patreleira com algumas fitas de coleção de filmes famosos promoção de uma revista que fazia um excelente acervo estava a terceira e última prateleira que cabia uma vitrolinha de disco de vinil e suas duas caixas de som. Mas essa descrição não vem ao caso no momento, porque teriamos que analisar os momentos históricos e os interesses das famílias daqueles trabalhadores e os nossos interesse. Nem a geladeira, nem o microondas, nem o fogão de seis bocas poderiam ser comparados ao fogão a lenha e uma jarra de barro cozido, o depósito d´água doce e gelada que jamais foram encostados, a jarra d' água de barro no canto da cozinha e a geladeira ainda a gás dos idos de 50.

Pois bem, os homens ainda baixavam suas cabeças para falar com o sinhorzinho doutor.

Ali, lembravamos as astúcias dos primos, as fiscalizações da tia para nenhum dos meninos ficarem no eito fazendo safadezas com as meninas ou pegando as cabritas nos currais. Vez por outra estavamos prestes a uma surra por encomenda das beatas, ou queixas dos moradores.

Podiamos tudo, tomar banhos no açude desde que nem olhassemos para o sangradouro, mas era lá que estavamos pinotando na parte mais funda e perigosa.

Podiamos correr os canaviais desde que não adentrasse pelos caminhos mais desertos em busca das matas nativas, era pra lá que corriamos todos os dias smpre em busca do curupira ou saci pererê, uma vez me perdi, a casa grande, os moradores, os homens dos eitos e da bagaceira, até a policia e depois os bombeiros da capital foram me procurar na mata, fui encontrada dois dias depois, perto de uma nascente de água limpíssima sentada numa pedra, tive medo, sim! A noite! Os pios das aves noturnas, mas nem imaginei cobras, escorpiões ou aranhas, eu sabia que o cobra norato estava ali olhando por mim. Inocência!

Mas assim mesmo fui parar no hospital porcausa dos pernilongos que fizeram a festa na minha pele. Outro dia fui brincar no carro do VÔ um Land Rover verde, enorme, eu queria por tudo ir para São Paulo, mas eu era tão pequena, hoje nem imagino como São Paulo foi parar em meus sonhos de infância, porque até hoje eu tenho medo daquela cidade e se conheço a cosmopolita S. Paulo é da janelinha do avião.

A minha viagem para aquela São Paulo idealizada resumiu-se a um deslocamento do carro e um mergulho no açude, fui salva pelo feitor que corria atrás do carro como um louco, ajudem que a menina vai mergulhar no açude! Eu lembro.

Mas não é isso que quero narrar como causo é algo bem mais sério do que estavamos acostumados.

Uma noite, o céu cinitilando de estrelas as crianças da casa grande na varanda, cantavam cantigas de roda e ouviam historias de assombração que algum adulto contava para acalmar os ânimos.

Nesse dia eu e um primo ouvimos a vóz de taquara rachada de alguma cantora de excelência e o choro das carpideiras. Era uma cantoria sem fim. de sentinela , as beatas da casa grande, as tias rezavam o terço na capela, as Bás da casa se enlutavam pelo finado e se benziam a cada hino.

Salve mãe poderosa, rogai por nós. Salve a consoladora dos aflitos, rogai por nós. Salve o menino Deus, rogai por nós. Salve o Pai misericordioso, rogai por nós.

Eu sabia que no velório tinha bolo de macaxeira, carne de sol e charque miudinha bem assada, tinha também bolo de fubá e cuscuz, café torrada na hora e galinha de molho vermelho com batata e galinha cabidela, sem falar no sarapatel.

A tia me chamou e disse se você sair de casa para ir ao velório vai me leva uma surra! O cheiro de comida invadia a minha gula mas, fiquei quieta até esquecerem de mim. E assim aconteceu um primo mais novo caiu e lascou de fora a fora a testa e o sangue jorrava mais que um chafariz. Não gostei de ver aquela cena, mas sabia que ele não ia morrer daquela queda como as tias berravam.

Ai que sofrimento o meu com todo aquele cheiro de comida , chamei um primo e combinamos fazer uma visita na casa o finado, ali no velório. E se ouvia os benditos.

Rezadeira: Adeus minha mãe Qui eu vô-m’imbora! Adeus minha mãe Qui eu vô-m’imbora.

Sentinelas - M’intrega a Deus E à Nossa Sinhora M’intrega a Deus E à Nossa Sinhora

Rezadeira: Adeus meu pai, Rezadeira - Ó meu pai adeus Ó meu pai adeus Qui eu vô m'imbora.

Sentinelas - M'incomende a Deus E à Nossa Sinhora M'incomende a Deus E à Nossa Sinhora.

Rezadeira: Minha mãe não chora que chorá faz má. Um anjo mi chama eu não posso 'sperá .

Sentinelas -Não posso 'sperá qui é pra dispidida Tá chegando a hora de minha saída. Rezadeira Adeus irmão Adeus irmão.

Sentinelas: Inté dia de Juízo, adeo

Não resisti, e fugi pelo corredor do oitão da casa grande com o primo.

Chegamos na casa simples de barro socado, vela pra todo lado, o defuntão espichado dentro de uma rede e a rede no chão.

A mesa de almoço estava encostada na parede ao lado, com um retrato de Padre Cícero, porque o defunto era de Juazeiro do Norte. São Secerino dos Ramos porque a esposa era de Pernambuco e a foto do Cristo de Fazenda Nova, um ator pernambucano.

Ao redor das imagens muita comida, garapas, leite e café.

A pinga era para os homens no terreiro da casa.

Ficamos por ali eu curiosa queria saber que morte tinha matado o finado, até que perguntei do que o finado tinha virado defundo que a tia Deda queria saber, a dona da casa disse que ia falar com o Senhorzinho, meu pai, para chamar um delegado de policia porque o marido dela tinha morrido de morte matada de peixeira, e eu vi ali uma mancha escura, sangue coagulado.

Rezei para a mulher me chamar pra comer os quitutes do defunto, e assim ela o fez, eu estava me valendo de educada e disse baixinho a senhora faça como for melhor, pode servir os mais velhos e eu fico com as crianças, ela olhou espantada e disse não! A senhorinha é a fia do sinhozinho. Achei até graça e lembrei a surra que eu ia levar se notassem a minha falta na casa grande, e eu naquela hora difícil representando a família, salientando aos 10 anos de idade.

Enquanto eu estava sentada numa cadeira que me trouxeram, vi um pinto gougento entrar pelos pés do povaréu que ali rezava.

Rezadeira: Uma ensalença pa Nosso Sinhô

Sentinelas: Uma Ave-Maria cheia de graça

E a excelência o morto:

Rezadeira: Uma vez eu vô pru céu Os anjo vão mi levando

Sentinelas: De tudo eu vô m'isquecendo Só de Deu vô mi alembrando De tudo eu vô m'isquecendo Só de Deu vô mi alembrando.

Rezadeira: Meu Padim Ciço mando Qu'eu rezasse um a-bê-cê

Sentinelas: Mandô mando Mandô mando Meu Pádi Ciço mando Mandô mando Mandô mando Meu Pádi Ciço mando.

Eu olhava o pinto amarelo e gouguento e finalmente a ave fez o que eu imaginava, adentrou pelo espaço entre o defunto e o pano da rede e piou , piu, piu, piu, assustado piou mais forte e caminhava num vai e vem angustiante debaixo da coberta do finado, o povo quando viu aquilo, desatou a correr pelo terreiro. As rezadeiras aumentaram o tom de taquara rachada, meu primo saiu em disparada e encontrou com a tia que vinha aos galopes nos pegar, eu estatuei ( fiquei estátua) mesmo sabendo que era um pinto gouguento.

Tia me pegou pelo braço me sacudiu sem dó, e me passou a mão na bunda com força de uma chinelada e fui aos prantos para casa.

E no caminho da volta ainda ouvia a cantoria.

Exaltador: Jesus vai contigo Tu vai com Jesus Jesus vai contigo Em teu coração

Lia Lúcia de Sá Leitão
Enviado por Lia Lúcia de Sá Leitão em 03/07/2011
Reeditado em 04/03/2012
Código do texto: T3073648
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