Vã Vida
A chuva caía como se o céu estivesse em pranto profundo. A noite parecia ter chegado mais cedo. Bruno tinha acabado de sair de casa, era o último dia de aula. Ele fazia faculdade, estava a um ano de se formar. Não estudava por vontade própria, queria, apenas, ser o orgulho da família. Mas, como em momento algum conseguiu algo que mostrasse seu verdadeiro valor a seus pais, tentou seguir nos estudos, pois sempre fora um aluno muito bom.
No entanto, para Bruno, isso não significava muito. Ele via seus pais darem valor às coisas insignificantes que seus irmãos mais novos lhes mostravam, e se sentia excluído por causa disso. Ele tinha 22 anos, 10 anos mais velho que Lucas e 14 anos mais velho que Beatriz. É normal que uma família dê sempre mais atenção aos caçulas, disso ele sabia. Mas achava injusto, já que em momento algum da infância ele fora tratado da maneira como seus irmãos eram tratados. E isso estava o consumindo por dentro. Ele tentava ser sempre o filho perfeito: tirando sempre ótimas notas, nunca dando nenhum tipo de problema, sendo um exemplo para os pais e para as pessoas ao seu redor. E assim sempre foi.
Bruno tinha tantos pensamentos em mente, tanta coisa que ele queria dizer, mas não era ouvido por ninguém. A não ser por um de seus tios, seu Donato, que era a pessoa que o entendia. Eles raramente se viam, mas era como se houvesse alguma ligação entre eles. Donato e Bruno se davam bem. Mais do que isso: Donato era a ponte que ligava Bruno à vida. Era, talvez, a única amizade verdadeira que Bruno tinha. Apesar de seus 22 anos, Bruno, em momento algum, pôde dizer que tinha amigos de verdade. Não que ele fosse um garoto tímido ou coisa parecida. Ele simplesmente não conseguia confiar nas pessoas, fazendo com que preferisse estar sozinho a estar próximo de pessoas em quem ele não pudesse confiar. Dessa forma, Bruno viveu seus 22 anos de vida sem amigos e, obviamente, sem namorada.
Era fácil de notar que ele sentia falta de alguém ao seu lado. Mas não foi por falta de tentativa. Apesar da falta de confiança que ele tinha nas pessoas, em diversas oportunidades, ele tentara arranjar um meio de ter alguém especial ao seu lado. Tudo em vão. Ele tinha inúmeras certezas na vida. Havia gente com quem ele conversava, contava um pouco de sua vida (mesmo sem confiar, era um risco que ele queria correr) e diziam pra ele que ele não deveria ser daquele jeito, que ele tinha que mudar, etc etc etc... Mas as pessoas não o entendiam. Ninguém o entendia. Apenas o tio Donato conseguia assimilar a forma como Bruno encarava a realidade. Isso seria algo fácil para as pessoas compreenderem se elas parassem um pouco para pensar que cada um de nós, em algum aspecto da vida, temos algumas certezas em relação a nós mesmos. Coisas que são próprias de cada um, intrínsecas à alma e, de maneira alguma, serão mudadas. Não são apenas “opiniões”, são pontos de vista absolutamente corretos a respeito da pessoa que mais conhecemos: nós mesmos. E Bruno tinha a certeza de que jamais, em momento algum da vida, teria alguém com quem passar bons momentos, que nunca teria um relacionamento de verdade. Sendo amizade ou namoro.
Mas apesar de tudo isso, de viver 22 anos sem amigos, de se sentir excluído em seu próprio lar e de ter a certeza de que o futuro seria tão vazio quanto fora seu passado, Bruno ainda lutava para ser alguém melhor. Para provar para o mundo que ele era realmente alguém que tinha capacidade de ser grande. Claro, isso seria algo que ele ostentaria perante a sociedade, já que para si mesmo, ele não passava de um ‘nada’ rumo a ‘lugar nenhum’. A vida dele era uma batalha para provar aos outros e a si mesmo que sua existência não era em vão.
Infelizmente, um trágico acidente tira a vida de seu tio Donato. Consequentemente, o acidente faz da vida de Bruno um inferno. Sem poder externar seus sentimentos, sem conseguir se expressar, sem ter alguém com quem conversar, mesmo que em raros momentos, Bruno se tornou cada vez mais inexpressivo. Suas certezas se tornavam verdades, seus pressentimentos se faziam reais e sua vida se mostrava cada vez mais e mais sem sentido. Viver estava sendo insuportável.
Assim que acaba a aula, Bruno volta para casa. Sem falar com ninguém, entra em seu quarto, senta na cama, apoia os cotovelos no joelho, segura seu rosto com as mãos e começa a pensar. Pensar e rever cada movimento do passado, o passado que o havia trazido até aquela determinada situação. Como o céu, Bruno começa a chorar. A perda de uma pessoa de extrema importância na vida dele, a insaciável vontade de ter aquilo que ele sabia não ser possível ter, o fato de que seus pais mal lembravam de sua existência e a solidão que fazia com que seu coração sangrasse todos os dias fizeram com que Bruno não suportasse mais aquilo. Enrolou-se num cobertor, virou-se para o lado da parede e fechou os olhos. Fechou os olhos, acalmou-se e, aos poucos, sumiu. Esvaiu-se de sua existência. E Bruno tinha mesmo razão em relação a tudo que pensava. Seus pais só sentiram a falta dele quatro dias após o ocorrido. Mas foi uma preocupação momentânea, pois no momento em que citaram seu nome, Lucas vinha correndo perguntar como se escrevia a palavra “dedicação”.