James Ensor. (Belgian, 1860-1949). Masks Confronting Death, 1888.
Oil on Canvas 81,3X 00, 100,3 cm.
Solomon R.Guggenheim Museum, New York, USA
TORRES DE PAPEL
No território de andanças, neste singular mapeamento do desdobrável quotidiano, há muito sentia o enervamento das fissuras arrefecidas da atmosfera daquele espaço e tempo de ir e vir insustentável. Cada instante parecia tecer-se como uma imensa malha urdida ora sob a densidade, ora sob a leveza, onde o tecido do tempo se contraía em ritmos sugantes e letárgicos.
Naquela manhã de rarefeita neblina esvoaçante sob o sol, aguardava as torres de processos que sempre acompanhava semanalmente. A circunvolução do olhar estilhaçava-se sob o vitral da janela semi-aberta. Esta perfuração parecia ser uma única abertura naquela espaço visceralmente lacrado. Sentia um cheiro petrificado de tempo úmido, de deserto esfacelado. Repartições públicas, como funerárias e floriculturas parecem sempre guardar um olor próprio em nossa memória.
Os olhos subiam os degraus da sala, o pé direito alto, prateleiras que se erguiam ao infinito seguravam aquelas criaturas sob os esqueletos dos sarrafos. Ao seu lado, das Dores, pedia-lhe socorro!. Como explicar-lhe que o seu processo habitava uma daquelas torres de papel e era um daqueles fantasmas que estavam aguardando no sinédrio das celas, daquelas prateleiras, a hora do julgamento? Como dizer-lhe que aquelas almas gritam vivas, às almas mortas daqueles oficiais paramentados, sob os quais ficavam arbitrariamente sob o seu jugo, noites e dias, ad infinitum?
Aquela era apenas uma sala, com um balcão, subdividida em compartimentos, mas parecia um linfático cubo que amordaçaria todo e qualquer grito inarticulado. De repente percebeu que aqueles processos pendiam suas cabeças esquálidas, e já podia sentir o sufoco de sua respiração. As dobras caídas de suas capas, pareciam sudários desválidos, como asas de uma finada acrobacia. Sentiu o ar gélido de um frigorífico, a laminidade do tempo e espaço da alma. Autos irrespiráveis, jaziam como condenados sob as celas. E as torres se avolumariam...contraindo o espaço daquele momento e daquela hora de letal desatino ao ideário de justiça.Sentiu-se como a percorrer aquele labirinto de torres e soprando-as as narinas, compreendeu o peso e o enrugamento das arestas daquelas folhas de papel tão vivas respirando entre tantos mortos....veio-lhe então à memória um fonético zoar de uma babel em desconstrução ...já podia ouvir os écos dos próprios passos fazendo sinopses , sob aquelas páginas, que pesavam quais asas de chumbo sob o mantô negro que lhe aconchegava do frio, ainda de inverno e que ainda lhe velava os enredos... Saiu à porta e percebeu que das Dores caminhava atrás de si..
www.lilianreinhardt.prosaeverso.net
Oil on Canvas 81,3X 00, 100,3 cm.
Solomon R.Guggenheim Museum, New York, USA
TORRES DE PAPEL
No território de andanças, neste singular mapeamento do desdobrável quotidiano, há muito sentia o enervamento das fissuras arrefecidas da atmosfera daquele espaço e tempo de ir e vir insustentável. Cada instante parecia tecer-se como uma imensa malha urdida ora sob a densidade, ora sob a leveza, onde o tecido do tempo se contraía em ritmos sugantes e letárgicos.
Naquela manhã de rarefeita neblina esvoaçante sob o sol, aguardava as torres de processos que sempre acompanhava semanalmente. A circunvolução do olhar estilhaçava-se sob o vitral da janela semi-aberta. Esta perfuração parecia ser uma única abertura naquela espaço visceralmente lacrado. Sentia um cheiro petrificado de tempo úmido, de deserto esfacelado. Repartições públicas, como funerárias e floriculturas parecem sempre guardar um olor próprio em nossa memória.
Os olhos subiam os degraus da sala, o pé direito alto, prateleiras que se erguiam ao infinito seguravam aquelas criaturas sob os esqueletos dos sarrafos. Ao seu lado, das Dores, pedia-lhe socorro!. Como explicar-lhe que o seu processo habitava uma daquelas torres de papel e era um daqueles fantasmas que estavam aguardando no sinédrio das celas, daquelas prateleiras, a hora do julgamento? Como dizer-lhe que aquelas almas gritam vivas, às almas mortas daqueles oficiais paramentados, sob os quais ficavam arbitrariamente sob o seu jugo, noites e dias, ad infinitum?
Aquela era apenas uma sala, com um balcão, subdividida em compartimentos, mas parecia um linfático cubo que amordaçaria todo e qualquer grito inarticulado. De repente percebeu que aqueles processos pendiam suas cabeças esquálidas, e já podia sentir o sufoco de sua respiração. As dobras caídas de suas capas, pareciam sudários desválidos, como asas de uma finada acrobacia. Sentiu o ar gélido de um frigorífico, a laminidade do tempo e espaço da alma. Autos irrespiráveis, jaziam como condenados sob as celas. E as torres se avolumariam...contraindo o espaço daquele momento e daquela hora de letal desatino ao ideário de justiça.Sentiu-se como a percorrer aquele labirinto de torres e soprando-as as narinas, compreendeu o peso e o enrugamento das arestas daquelas folhas de papel tão vivas respirando entre tantos mortos....veio-lhe então à memória um fonético zoar de uma babel em desconstrução ...já podia ouvir os écos dos próprios passos fazendo sinopses , sob aquelas páginas, que pesavam quais asas de chumbo sob o mantô negro que lhe aconchegava do frio, ainda de inverno e que ainda lhe velava os enredos... Saiu à porta e percebeu que das Dores caminhava atrás de si..
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