Jameson
Está mais melancólico do que o habitual depois do fim. Quisera o destino que assim fosse. O quarto de cabeça pra baixo. A polícia batera à porta há pouco por causa do barulho. Sentado na cama, recostado no espaldar; cigarro em mãos e os olhos numa secura de dar desgosto/agonia. O relógio insiste em seus tique-taques; a luz vermelha dos números do rádio-relógio - um tiranossauro - batendo de frente com a ponta da guimba úmida, pendendo no canto da boca. De tão absorto que está sequer reparou nas cinzas sobre o pau mole. Sequer reparou que urinou em cima do travesseiro que está sentado. Sequer percebe que existe, enquanto pensa. Olhar vítreo numa imagem de uma Manhattan desprovida das Torres Gêmeas; um belo crepúsculo na suja New York. Está num transe ataráxico, curtindo de forma autista a bonança que procedeu à tempestade. Não era o fato de perdê-la que o havia feito perder a cabeça, mas sim o vazio desgraçado do fim, a sensação de que tudo que fora vivido ter sido uma farsa, um esquete Rodriguiano, um mero passatempo... Tão logo a porta fechou a sua frente, partiu para a destruição de tudo que fizesse alusão a sua ex-amada: canecas de cerâmica - dezenas delas - zuniam até se espatifarem nalguma parede; portas-retratos foram esmigalhados na base da marretada e as fotografias foram colocadas por dez minutos no microondas; cartões, cartas, embalagens de bombons e de camisinhas foram todas para a fragmentadora de papel; DVDs e CDs, bem como suas respectivas capas, foram trucidados na tesourada... Ao fim do acesso colérico não havia sobrado muita coisa intacta em todo o apartamento. E o eco da peroração ribombava em seus tímpanos, fazendo-o novamente inerme e andrajoso. Vagarosamente, foi escorrendo pelo espaldar até ficar completamente esticado na cama. O gato, que até então ficara acuado no banheiro, sobe em seu peito, ronronando, soltando um miado ou outro, como quem pergunta “e aí, cê tá bem?”. Adormecem os dois, acordando com a noite já feita e com a idiotia dos faróis dos carros dançando no teto. Sente-se meio deslocado dentro de si mesmo:- “como isso é possível?”. O fato da trilha adiante ter de ser percorrida solitariamente já não o atormenta mais; o que o atormenta é a vergonha pelo estardalhaço que fez no apartamento, demonstrando o quão pueril realmente é, e, sendo assim, merecedor dos deltóides da mulher por quem tinha amor. Pegou o controle remoto do aparelho de som, deitou de lado, abraçando o preguiçoso bichano - os olhos já longe de estarem na secura de outrora - e ouviu Trusty Chords até adormecer novamente.
30/06/2011 - 13h15