AMÉRICO DE SOUZA – Grande Estadista Maranhense
Ainda guardo na memória a carta,
Do homem social e político do Maranhão,
Jamais conheci a sua voz e suas lutas.
Foi naquele ano de mil novecentos e setenta e dois, quando senti as minhas primeiras dificuldades acrescerem num avolumado meio de complicações. As palavras distanciavam da minha pronúncia, e a locução servia de pretextos e comentários por onde cruzava o menino da Rua Bom Jesus dos Passos. A gagueira não se desvinculava dos aparatos na qual eu me recolhia como um miúdo artista anônimo perlustrando nas sombras dos cajueiros e mangueiras do meu quintal. Era ali, o picadeiro arejado com artes nas composições poéticas e musicais, revestido num labor bem abstrato aos olhos dos meus pais. Com tantos sonhos, esperanças e ilusões transformaram os dias em imensos enigmas, ou melhor, torres de empecilhos no desenvolvimento de uma boa dicção.
Era uma segunda-feira do dia três de dezembro de 1972, aproximadamente às 12h45min, não esqueço jamais desta data, foi quando ouvir por trás da porta do quarto a minha mãe conversando com o meu pai, ele balançava na rede fumando o seu cachimbo após o almoço. Ela falava com várias alegações de não saber onde eu iria estudar o ginasial motivado pelas circunstâncias financeiras da família, visto que o meu pai trabalhava na prefeitura municipal de Caxias como motorista de uma caçamba arrecadando o lixo e entulhos da cidade, percebendo mensalmente metade do salário mínimo.
Ao ouvir o diálogo, apressadamente sentir o tom das minhas energias se abaterem, imediatamente, sair, e fui para detrás da casa, olhar o tempo e meditar ali sozinho. Fiquei com muitas indagações sem obter respostas, repassando nas meditações o que eu não esperava naquela sombria tarde. Olhei o céu e pensei: “será que eu não vou mais estudar? Se eu não estudar como vou ser cantor, poeta, engenheiro ou até mesmo um advogado para defender o meu pai por seus direitos na prefeitura? Como será o ano que vem? Quando eu crescer, vou ajudar a minha mãe e meu pai, talvez eu compre uma caçamba novinha em folha. Posso não pronunciar bem as palavras, mais escrevo poesias bonitas e não sei por que os meus pais não gostam que eu escreva versos. Não admira as minhas histórias, e eu não sei qual o medo da minha mãe comigo. Eu não sei o que tanto ela guarda dentro dos seus olhos. Um dia, quem sabe! Eu vou descobrir tudo. Tenho que esconder as minhas poesias nas últimas galhas do pé de manga abelha para que ninguém rasgue. A Jesus, a minha irmã é que sempre me entrega, é ela que vai avisar a mãe que estou tirando as folhas do seu caderno pra escrever besteiras”.
E assim, refletindo, assimilava e planejava: - Vou começar ajuntar pedras do quintal e quebrar, só assim eu vendo elas pro meu pai e compro um caderno sem arame zeradinho. O meu irmão Lino estudou no Diocesano e não pagava as mensalidades, era gratuito. Já o meu irmão Zé Carlos também terminou por lá. Realmente eu não sei o que vai acontecer na minha vida com tantas informações negativas. Eu só sei que vou ler meu único companheiro, o dicionário do MEC Fename.
Não passou muitos dias, ouvindo à noitinha o rádio ABC de ouro que ficava na sala, anunciava na primeira mão a Voz do Brasil, e relatando várias notícias. E foi nessa hora quando ouvir pela primeira vez o nome do Deputado Federal Américo de Souza do Maranhão sobre os seus projetos e notícias parlamentares. Naquela ocasião, eu me vislumbrei e pensei: “Esse é o homem que vai me colocar pra estudar no Colégio Diocesano”. Em poucas horas, dirigi-me até a porta da rua onde a minha mãe palestrava com a vizinha - Dona Bernarda. E falei num tiro só:
-Mãe, o ano que vem eu quero estudar no Diocesano?
Ela sem dar muita importância, respondeu:
-Tu cala essa matraca e vai dormir. Olha Bernarda! Depois que eu coloquei um pinto na boca deste menino pra aprender a falar, não tem quem aguente ele por perto. Fala mais que o homem da cobra, e de tudo quer saber e se meter. Não tá vendo que o teu pai não tem condições de botar lá. E para de falar besteira, não tá vendo que tô conversando.
Fiquei calado, e sem mais nada a dizer, fui pro meu quarto um pouco triste. Olhava para aquela imagem fria na parede de taipa rebocada na cor branca. E a foto pequena daquele homem barbudo que me olhava insistentemente no pequeno reflexo da luz da lamparina. E eu pensava: “Um dia eu serei poeta e vou escrever versos bonitos igual a ti Gonçalves Dias. Sabe... Eu posso não falar corretamente, mais vou mostrar pra minha mãe e meu pai que eu sou um poeta de verdade. Não aguento mais esconder tantos os meus poemas”.
Em seguida, peguei a lamparina e comecei a escrever alguns poemas com um pedaço de lápis e papel de embrulho de pães. Apesar de que no comércio onde eu comprava os pães, o meu padrinho Gastão somente rasgava uma tira muito fina do rolo de papel, era tão estreita que só dava pra colocar três palavras em linha. Mesmo assim, eu podia escrever naqueles pedaços de papéis amarrotados.
E naquela noite, o meu irmão caçula Marcos, já dormia e minha irmã Jesus também. Não demorou o suficiente para escrever três poesias quando a minha irmã se levantou e disse que iria beber. Sem desconfiar, ela avisou a minha mãe que eu estava escrevendo novamente tolices, gastando o óleo da lamparina com cartas e versos pra a menina Merita da rua lá debaixo. De repente, meu pai ouviu as reclamações da minha mãe e empreendeu contra mim. Dizendo:
-Rapaz! Tu é teimoso demais. Já te disse que não te quero escrevendo de noite? Elzi, ler pra mim o que ele tanto rabisca.
A minha mãe, pegou os papéis e fez a leitura. Sem demora, o meu pai reafirmou com veemência:
-Olha Erasmo. Eu não te falo mais. Já disse mais de mil vezes que não quero saber de poeta e nem de cantor na minha casa. Esse tipo de gente só serve pra beber e ficar contando lorotas nos balcões com cachaça. Deixa disso rapaz! Senão, vou te levar pra trabalhar na caçamba.
-Não pai. Não é meu não. É do meu amigo Sérgio, filho do seu Mario Cunha. Eu tava apenas lendo o que ele me emprestou. É tudo mentira da Jesus, nunca fiz isso não.
Apressadamente, minha irmã falou:
-Pai! O pitoco do lápis tá na rede dele. Não tô mentindo não. O senhor nem sabe da maior. Ele só vive lá encima no pé de manga abelha escrevendo versos pra Merita, a filha da dona Tonica.
Após aquela noite, não tive mais condições de escrever poesias, e passei a escrevê-las durante a madrugada sem a luz da lamparina, e na completa escuridão, pois, a minha mão seguia o destino das palavras formando versos, mesmo desalinhados e tortos. E, na manhã seguinte, eu podia sorrir e cantar alegremente com as belas canções escritas.
E naquela madrugada cheia de negrume, as aspirações se realizaram, apenas passava para um papel de caderno. Ao final, sempre alegava a quem perguntasse o que eu estava fazendo. E, com muita seriedade, afirmava que estudava as histórias da China e África no Almanaque Seleções de 1971. Entretanto, esta era a única maneira de ter as poesias em minhas mãos.
Não demorou muito, numa manhã cheia de dúvidas que rodava na minha cabeça, perguntei à minha mãe:
- A senhora ainda não me disse aonde eu vou estudar?
Ela com um olhar cercado de preocupações, e segurando o queixo com a mão, respondeu:
-Ainda não sei. Tô pensando ainda...
Sem obter uma resposta satisfatória, retruquei:
-Mãe, o ano que vem tá bem aí. E eu quero estudar no colégio Diocesano, onde o Lino e o Zé Carlos estudaram?
-Eu não sei como? O Lino estudou lá por que o padrinho dele era o Padre Aderson, facilitando tudo isso. Agora, tudo lá está mudado. Eu não sei como vai ficar esta situação. Ah menino! Tu pergunta demais!
-Não faz mal saber, mãe. A senhora pode me dizer quem é Américo de Souza?
-É um político. Tudo quer saber?
-É que eu queria pedir uma bolsa de estudos pra ele. Só assim eu posso estudar no Diocesano sem pagar nada. Depois, a gente se vira pra comprar alguns livros.
De imediato, ela replicou:
-Tá vendo que ele não vai mandar uma bolsa pra ti. Não sabe que a época da política já passou.
-Não mãe. Não passou. Escreva pra ele e diga que é um menino da Rua Bom Jesus dos Passos que deseja estudar e ser alguém na vida.
-Tu já vens com as tuas eguagens. Como é que eu vou escrever pra ele, se eu nem sei o endereço do deputado? Olha que teu pai tá tentando arrumar com o Dr. Marcelo uma bolsa no colégio Coelho Neto através do Sarney.
-Não mãe. É mais difícil o pai conseguir. Eu quero que a senhora escreva para o deputado Américo de Sousa. Somente assim, eu, tenho certeza que ele não vai deixar eu fora da escola. Eu tenho que estudar de qualquer jeito. Amanhã a senhora faz a carta pra ele?
-Eu não sei como vou mandar, se eu não sei o endereço dele em Brasília.
-É fácil mãe, basta escrever para o deputado federal Américo de Souza – Câmara dos Deputados em Brasília. Todo mundo lá conhece ele, e vai entregar a minha carta pessoalmente.
-Eu vou fazer a tua carta, mais não me aperreia muito não.
-Tá bom mãe. E no mês de maio, eu vou empinar um papagaio escrito com o seu nome, agradecendo o que a senhora tem feito por mim. Mais faça mesmo.
A minha mãe escreveu a carta, porém, ela não me deixou ler o que tanto ela solicitava ou explicava sobre a minha pessoa. E desde que ela escreveu aquela cartinha, os meus olhos ficaram grudados nos pacotes das mãos do senhor Israel quando este percorria a ruazinha. O carteiro mora bem próximo da minha casa que fica na esquina da Rua Bom Jesus dos Passos, e sua esposa se chama dona Muciqueira. Eu via o carteiro constantemente, ele sempre passava na porta da minha casa e entregava as correspondências nas casas dos vizinhos. E, seguidamente, eu sabia os seus horários de costumes, o nosso rádio canarinho de ouro soltava as horas depois do comercial do Caravelle. Ali, eu deixava tudo e ia esperar o homem das cartas.
Naquele dia, era uma quinta-feira de março de 1973, eu ficava observando da janela da minha casa bem cedo, os meninos do colégio Diocesano passarem na Rua Professora Ana Correia, vestidos numa calça azul e numa camisa branca com as inscrições na frente “Colégio Diocesano”. Logo, a minha tristeza se alargava dentro de mim sem saber o meu destino. E olhava pra a rua solitária e chorava, pedindo à Deus que a minha carta chegasse nas mãos daquele homem de Brasília. Contudo, a melancolia vencia em todos os instantes. Tremia e tremia nos caminhos dos meus dias, ao saber que estava fora de uma sociedade educacional. Às vezes, refletindo o que eu seria no amanhã quando acordasse da minha rede.
Dessa forma, eu meditava: <“Tenho medo de trabalhar na caçamba, ou ter que fazer serviços que ninguém da nossa sociedade gostaria de fazer. Será mesmo que eu vou ser alguém? Será que ele recebeu a minha cartinha? Uma coisa eu sei: Gago eu não sou mais, já converso direitinho, escrevo versos na medida e vou botar é quente no carteiro amanhã”>.
No dia seguinte, lá no final da rua apontava o carteiro, às 10 horas da manhã, pisando lentamente e com um cheiro de cachaça desagradável, subia a ladeira de barro vermelho a pé. Eu falava sozinho:<“ali, vem a resposta da minha carta, ali vem a resposta do homem mais importante na minha carreira estudantil”>.
E sem demora, o carteiro se direcionou para a minha casa, abrindo entre muitas correspondências, e suspendendo a cabeça para verificar o número 351. Instante, em que me perguntou:
-Cadê a tua mãe?
Sem dar uma resposta, lancei uma pergunta:
-É uma carta seu Israel?
-Chame a sua mãe menino e deixa de fazer perguntas.
Rapidamente, eu fui até a cozinha, a emoção era tão grande que eu comecei a balbuciar na presença dela, dizendo:
-Mã...e... o cooooo.....reeeiio tá chammman......
De repente, nem terminei de pronunciar as últimas palavras quando levei uma colherada de pau na cabeça. Pois, era costume levar colheradas na cabeça quando gaguejava, servindo de alerta para falar corretamente na presença dela.
Naquele andamento, ainda com a mão na cabeça e um galo exposto, ela recebeu do carteiro um envelope lacrado com as cores na lateral verde e amarelo, contendo o nome do remetente: Américo de Souza – Deputado Federal – Câmara dos Deputados – Brasília. Eu sorrir, eu gritei e chorei de alegria. E disse:
-Ler logo mãe!
A minha mãe rasgou a lateral do envelope, onde continha um cartão pessoal do deputado e um pequeno bilhete, contando que não havia respondido antes por motivo de recesso na casa constitucional, porém, solicitava a presença de minha mãe na Instituição do Colégio Diocesano para onde havia enviado a bolsa escolar solicitada. E no final o deputado agradecia firmemente à minha mãe por lembrar-se dele em Brasília e que estava pronto a ajudar no que fosse preciso, desejando as melhores honras de um ano repleto de felicidades.
Esta foi a minha maior alegria naquele ano, e mesmo sem farda escolar, sofria restrições na entrada, contudo, o contentamento superava tudo, e fui o melhor aluno daquela instituição através de um passo de mágica do maior estadista maranhense, Américo de Souza que eu não esquecerei jamais.
Escrita em - 05.06.1973