Viagem dos Sonhos

Oito horas e dezessete minutos, o celular toca um piano suave do húngaro Franc Liszt e chama atenção, a campainha aumenta e a memória mostra o rosto daquele nome que cintila na tela. Estava marcado as nove. Por algum motivo houve aquela antecipação. Um portão se abre e um cumprimento amigo com impulso de saudades denota no aperto da mão. A bolsa preta é conferida novamente antes de ser colocada no porta-malas do Escort Azul. Dentro do carro, os pensamentos apesar de maneiras diferentes, convergiam-se na felicidade que estaria à espera. Um lugar da infância onde as melhores fantasias foram realizadas nas mais inocentes brincadeiras. O céu, o sol e o sal do suor que vazava dos poros. Mais dois passageiros são integrados a comitiva do prazer, da quinta-feira de um feriado que poucos sabem o significado, porém são mestres naquilo que podem usufruir deste dia. O motorista com seu blusão camuflado de um exercito suburbano com um boné que afunda na cabeça engolindo um pedaço da testa. Montes Claros vai ficando no retrovisor, o velocímetro brinca de girar o ponteiro passando números como se fosse um atleta maratonista. Uma imensurável quantidade de vidas cruzando as estradas em todos os sentidos, todas em suas formas peculiares, animadas e inanimadas dentro das vontades de fazer do tempo um boneco de estima e com suas horas uma salada das fantasias, para se chegar onde quiser no tempo que for da diversão. Placas sinalizando que corra, aparecem na frente pedindo que pare, mostrando que a cem metros tem curva acentuada, mais a frente têm quebra-molas, não ultrapasse, ponte sobre o Rio Verde, ponte extensa sobre o rio São Domingos, devagar vidas em perigo. Um pássaro colorido levantou vôo e um carro cortou outro carro, um bando de urubus sobrevoou alguns arbustos onde se via uma grande árvore seca abraçada por ramas verdes, alguém disse ser maracujá. O tempo brincalhão voltou à memória recordando a época que esta viagem era no Trem, na segunda classe de algazarras e pescadores, farofeiros e chapelões com botas e até esporas. Tempo que vai e volta se deixando domar pelo controle remoto da mente que se entrega outra vez a realidade do instante. As placas voltam correndo de um lado e outro da estrada, com variações nas cores e nos dizeres, 40, 60,80 Km/h foi preciso entender uma a cada momento ou o carro perderia os parafusos da cuca guiada pelo volante que pouco se movimenta. Um cachorro observa a passagem com um olhar vago e as patas sobre um cadáver que na fugacidade é interpretado como uma ave grande, uma galinha, um pato ou uma garça, perguntas que não fizeram diferença já que na sinuosidade da curva seguinte um povoado pacato mostrou um cavalo arriado e cochilando sob a sombra de um mamoeiro. Adiante com uma enxada nas costas um senhor de cabelos brancos, camisa aberta e uma cabaça d’água anda calmamente como se ouvisse a musica do vento que assoviava nas folhas. Assim passou Janaúba, Nova Porteirinha, Porteirinha e Pai-Pedro, até o carro entrar na poeira com cheiro de esterco de gado e deixar para trás o velho cemitério. Cruzou a linha abandonada pelo Trem Bahiano e, mergulhou nas histórias que alguém contou que por ali, todo caminhante noturno era perseguido por um grande porco preto de mais de um metro de altura por dois de comprimento. Por via das dúvidas fechou-se o vidro e preferiram o calor do sol das 13:00 h. Infelizmente o despertador gritou 05:00h da manhã, mais uma vez a viagem ficou no sonho.