SEGREDOS E DEGREDOS
Amanheceu. São já seis horas da manhã. O sol ainda não nasceu. Estranhamente hoje a Terra aquietou-se. Ernesto não saiu do quarto. Escrevia numa velha agenda um poema em que deixava esvair sua alma aflita juntamente com a tinta da caneta. Cada letra era um pouco dos seus segredos saindo de dentro de seu espírito em conflito com sua consciência inquieta.
Segredos são como prisões. Um segredo é um degredo da alma desamparada e aflita em si mesma. Solitária em sua própria angústia, inimiga de seu próprio interior. Um segredo isola o homem do mundo e o prende dentro da sua interioridade. São noites eternas e frias, chuvosas e caladas, na solidão do mundo interior. Ernesto relatava seus amores e seus dissabores naquele papel amarelado e gasto como sua existência. Ele chorou hoje em casa. Sentiu um desprezo de todos e de tudo. Guarda seu segredo na velha agenda, bem guardada em uma gaveta inacessível a todos os membros daquela casa. Ali está o Ernesto de verdade. Dentro daquela agenda sua alma aprisionada.
Ernesto chorava copiosamente sozinho naquela sala enquanto observava o silêncio dos que dizem amá-lo. Todos saíram e ele ficou. Sem convite, sem ser notado. Ao virar-se para o lado deparou com a porta fechada, simplesmente. Não havia mais ninguém a não ser sua agenda, sua única confidente. Estava ele em seu exílio dentro do quarto, preso à sua história negada por si mesmo, e com ela, silencioso para com todos, falando sem dizer, sorrindo sem felicidade, dormindo sem sono.
A noite eterna aguarda o sol, que pode estar a caminho. E esta mesmo. Ele vem chegando devagar, num nascente lento, tímido, ainda frio. Mas apontando no horizonte. Ernesto olha a janela e sorri. Seus dias de degredo estão contados. Sua agenda deverá ficar guardada na gaveta. E esquecida. O sol sorri e lhe faz companhia. Brilhante, radiante, aquecendo o coração gélido daquela alma degredada em suas próprias tormentas.