FILHO SEM MÃE
Num certo celeiro, ocorre um apólogo entre os objetos... uma discussão calorosa sobre a responsabilidade na educação dos filhos, que crescem, inconsequentes, e pensam pelos calcanhares.
– O pai não pode ser taxado de culpado, pois trabalha o dia todo fora – argumentava o Machado, defendendo seu lambari que ainda nem fora pescado.
– Muito menos a mãe, que limpa a casa, lava, passa e cozinha, não tem olhos para ninguém – defendia-se a Vassoura, levantando poeira e abrindo a roda.
– Mas filho criado sem pai nem mãe é um perigo! – avisa a Foice, ceifando, afiada, a touceira.
– Os pais têm orgulho dos filhos... só que a maioria não dispõe de tempo para conviver com eles, alguns nem os veem crescer... outros perdem-se pelas ruas, morrem antes mesmo de conhecerem a vida – lamenta-se o senhor Serrote, suado, ao terminar uma tora dura.
– Eu não quero saber quem é o culpado... Todo filho tem pai e mãe... que antes de gerá-lo devem avaliar como irão educá-lo – re-preende a professora Enxada capinando rasteira.
– Engana-se, professora Enxada – atreve-se a Foice apoiando-se no chão –, nem todo filho tem pai e mãe.
– Como não, dona Foice?!!... Quem foi que nasceu da bosta de um jumento? – indaga inconformada a professora Enxada.
– O diabo – cascou seca a Foice, roçando o vento com raiva.
– Cruz em Credo! – exclamam três, quatro... cinco numa sequência esconjuratória.
– Então me digam... – cruza os braços a Foice brejeira. – Quem é o pai ou a mãe “dele”, hein!?... Alguém conhece? Já ouviu falar? Sabe onde mora? É branca? É negra? Gorda, magra, alta, baixa?... Quem sabe me responda? – desafiou.
Como todos se calaram, a Foice saiu irritada, cortando mato sem precisão.
– Aaaaah!!... Deixa a Foice para lá. Ninguém está interessado em descobrir quem é a mãe do diabo – rechaça o Rastelo.
Porém a professora Enxada aconselha:
– Precisamos mudar o rumo das coisas antes que elas aconteçam. Orientar nossos filhos para que não se transformem em... diabinhos.
– Mudar o rumo das coisas?... Acho providencial – filosofou o senhor Serrote, que convocou a Madame Trena e o Doutor Metro, e saíram para adequarem as medidas cabíveis.