O SORRISO DE BRINQUEDO*
Os mendigos assaltaram o depósito do lixão. Puseram nos sacos sobejos de valor.
Foram pelas ladeiras alegres, mas sem abrir a boca, o vento era frio e os dentes de sorrir doíam.
Lá nos viadutos fizeram a partilha.
Quero a boneca pra minha neta.
Que nada, ela é minha!
Sem conversa o chefe saltou sobre o da boneca e dividiu sua cara ao meio com uma giletada.
O sangue quente nos dentes...
Todos sacaram suas giletes e retocaram uns aos outros.
O velho barrigudo segurava a torneira da jugular.
A netinha aproveitou para tomar a boneca e correr, os cabelos espetando o vento, um olho aberto e outro fechado, o sorriso de brinquedo.
Sãs e salvas, as duas moram no sinal.
A boneca, olho fechado, olho aberto, mão estendida recebe as moedas.
O sujeito do outro lado da rua tem planos para a menina.
* Publicado em FERNANDES, Rinaldo (Org.) Contos cruéis. São Paulo: Geração Editorial, 2006.