Mãos nas tabuletas
O diábolo da coisa é que eram em duas, pensei - talvez as de Moisés, mas não: giravam pelo ar a procura de acertar Golias, e acertaram-me o cimo do ombro esquerdo, como quem dá um mau conselho. Cocei-me. Coçaram-se: que haveria ele de fazer agora?
Vende-se. Muitas e muitos, por aqui. De tantos, saiu-nos esse ditado besta, que se fosse bom, bem, já é sabido. Bom mesmo eram aqueles dez do tal Moisés, que pisou nos pés e... quase dos dez aos dois. Diabolicamente cai essa titiquinha no cimo do meu ombro esquerdo, o pombo quer-me fazer acreditar que foi Deus quem deu o trupicão nos pés de Moisés, coitado. Coitado nada, que o coitado é aquele que sofreu um coito, aí sim, coitado! Mâos ao alto - e ter-se-iam ido as tabuletinhas, num quase que escreveu, num leu, quebrou, rimou. Não, acho que ele não entendeu.
Mas, pouco adianta agora, não? Saquearam-me a única que eu insistia em trazer comigo. Nem eu lembrava mais o que ela dizia, mas certamente era algo muito diabólico, pois que foram precisos (e como!) sete vezes setenta e sete homens para a levarem de mim. Eu estava ali, naquela mesinha, sozinho do Silva, tomando minha gasosa, readentrando o tubo esofaríngeo com as raízes paranaenses, quando, ao redesvirar-me para com o moço que me atendera, senti aquele arzinho tão rápido quanto barato e, zás, cadê a tabuleta que o nego traz?
Alugam-se. Eles e os outros tantos setenta e sete vezes sete. Basta um para levantar uma e outro para querer que a abaixe, cobram cinco, dez mirrebas para localizar, outro tanto para ameaçar, tanto outro para extirpar da mão o que a mão empunhe. A minha, veja-se, de tanta gente ao redor, que eu já não sei quanto vezes quanto eram olhares de medo, indiferença ou encanto, deve ter saído bem baratinha, ou muito cara, dessas que deem para repartir a empreitada com vários nacos de pão de não-ontem ou pinga-d'inda-agora. Que diabos estava escrito aqui mesmo?
Ah sim, agora é com eles. É lá. Está lá. Nas mãos de um terceiro e suas segundas intenções. Ou intenção nenhuma, que aquele que se aluga ao que busca silenciar o que mal tencionava escrever acaba por escrever irresponsavelmente com o sangue daqueles que mal sabiam estar lutando. Permiti o gerúndio, nem tudo é imperfeito. Lance é que eu escrevia com minha própria caligrafia, e levaram a tabuinha que tão contente eu tinha...
(Publicado originalmente em: http://quasedois.blogspot.com/2011/02/maos-nas-tabuletas.html)