O Amante Inglês
O avião lotado, ao meu lado um homem de 50 e poucos anos, sério, fechado, quase grudado á janelinha do avião, absorto em seus pensamentos. Um livro no colo, marcando uma página qualquer, abandonado á espera de atenção. No jantar servido no avião ele pede apenas vinho. Tinto.
Agradece e mergulha novamente em profunda melancolia. Ou será por alguém que acabara de deixar em algum hotel da cidade fria e agora distante?
“O sabor ainda na boca”. Talvez queira ficar assim alheio a tudo para aproveitar cada segundo a memória ainda fresca dos momentos bons. Num dos bolsos do casado não posso deixar de notar, displicente pende adorável uma fitinha vermelha de cetim. A calcinha?
O vinho e o jantar a meia luz do interior do avião e a longa demora até a chegada. Sono.
Naturalmente tiro os scarpins vermelhos, dobro o tecido preto do meu vestido sobre os joelhos e me acomodo para fechar os olhos e descansar. Durmo.
Sinto mãos firmes tocarem meus pés delicadamente, quase com medo, quase sem tocar. As mãos sem pressa tateiam cada centímetro da pele nua no meio da escuridão e de umas poucas vozes. Não me mexo. Passiva. Quero ver até onde ele vai. O que pretende. Deve pensar que estou dormindo e não vou acordar. Um jogo perigoso. Até onde ele vai? Até onde permitirei? Terei eu limites?
Minutos depois de repente ele para. Segue para os fundos do avião. Eu vou atrás.
-Olá. Para onde você vai?
-Para Londres e você?
-Também. Eu vivo em Londres e você?
-Turista.
Trocamos telefone e nos beijamos. Os últimos assentos livres e vazios. Só nós dois.
A carne lasciva e macia, alva, arranhada e mordida.
Os lábios carmim sangrando ainda famintos, doloridos.
Os seios fartos de tantos beijos de bocas e mãos ávidas e curiosas.
A única roupa que restou foi uma pequena blusinha que uso por baixo do vestido. Ele inteiramente nu sob a manta vermelha.
Sinto frio, frio que percorre a espinha. Corta. Os olhos lacrimejam. Luz! Dia! Abro os olhos. Estou no mesmo assento. O homem ao meu lado intocável e ausente.
Foi um sonho?!
Falta pouco para chegar ao aeroporto. Ele me espera. Penso nos nossos planos, o coração aos pulos, louco de ansiedade, o corpo anseia pelos braços dele. Vida nova! Recomeçar!
Ao chegar ao aeroporto dois seguranças me chamam, saio da fila gigante, pedem meu passaporte. Um deles, loiro, alto de olhos azuis impenetráveis, cheira meu passaporte, olha para o outro segurança, moreno, magro e alto. Os dois sorriem e chamam uma tradutora.
Não entendi o que eles falaram. Não entendi o gesto de cheirar meu passaporte, nunca saberei. Não falaram inglês. Uma agente veio falar comigo, fez algumas perguntas e logo fui liberada, segui sem deixar de perceber o olhar atento do agente loiro.
Retirei as malas. Procurei por Edward. Não o vi na sala de desembarque. Esperei algum tempo, procurei com o olhar e nada. A multidão se retirava apressada e logo ficava um imenso vazio. Um homem alto, muito forte, olhos muito azuis me fez sinal. Sorriu feliz por me ver. Fiquei muito surpresa! Mais ainda quando ele se apresentou como Edward.
Fique em choque! Tão surpresa, tão sem chão que resolvi não fazer perguntas. No táxi a caminho do hotel tentava ainda entender quem era aquele homem.
Era o Edward. Mas não o “meu” Edward.
Não vi a paisagem por onde passamos, não vi o nome do lugar, não ouvi o que Edward falava com o motorista do táxi.
- Senhor, por gentileza pare o carro.
-Não, é perigoso parar aqui, vamos até o hotel. Por favor, precisamos conversar.
Um mar azul, tão azul como nunca havia visto antes. Calor. 40 graus e casas brancas, todas brancas, lindas. Numa delas o taxista nos deixa meio desconfiado.
-Por favor, ouça-me. Eu amo você. Todo esse tempo eu sofri, queria falar a verdade, mas tive medo de perder você. Sempre enviei fotos minhas com meu irmão ao lado. Você gostou dele, da imagem dele, não tive coragem de falar que eu era o outro. Não imaginei que a nossa história fosse chegar até aqui.
-Você não poderia ter feito isso comigo. Você é um desconhecido para mim. Preciso sair, respirar, pensar.
Ele chora e ajoelha-se. Tira do bolso um anel solitário.
-Case-se comigo, prometo lhe fazer feliz. Por favor, não me abandone.
Lágrimas dele.
Raiva, desprezo, desilusão, pena, medo.
E o “outro”? Onde ele está? Quem é ele? Como se chama? Senti saudades do outro que possivelmente não me conhece. Tentei raciocinar, entender, mas só queria fugir dali.
Fui até a praia. Tirei os sapatos e caminhei descalça pela areia solta. Não sei por quanto tempo caminhei sozinha sem rumo.
Procuro cigarros na bolsa. Encontro o cartão do homem do avião. Garry.
O telefone chama, chama. Ninguém atende.
O telefone toca toca....ninguém atende, deixei recado.
O telefone toca, toca.
-Alô!
-Garry, você está sozinho agora?
-Sim. Onde você está?
-Perto. Posso ficar com você, só essa noite? Amanhã volto para casa.
Não fez perguntas. Abraçou-me apertado. Afeto.
Chorei nos braços dele que me desnudou calmamente entre lágrimas e beijos.
Amou-me, tocou-me, como se já me conhecesse há muito.
Como os homens conseguem fingir tão bem?
Tiveram aulas com Dom Juan “Faça cada mulher sentir-se única, amada, exclusiva”.
Acordei e todo pesadelo do dia anterior agora parecia não importar mais. Queria esquecer.
Erro: Fingir, fugir dos problemas que atingem a alma profundamente.
Garry saiu. O notebook em cima da mesa da sala. Preciso antecipar a volta para casa. Faço login como visitante. No pano de fundo uma foto minha. Intrigada e surpresa abro a pasta de documentos. Já esperava. Todas as fotos que enviei para o Edward.
-Quem é esse homem? O que ele faz com minhas fotos aqui? Eu nunca o vi antes do encontro no avião.
Numa das fotos Edward e Garry juntos. Sem saber com quem fiz planos, sem saber com quem falei todo esse tempo, sem saber direito o que aconteceu.
-Me perdoe. Eu sou irmão do Edward. O homem da foto é um amigo. Nada sabe sobre nossa história. Edward a ama. Eu também. Ele não sabe que estou aqui. Ele não sabe que muitas vezes falei com você usando o nome dele.
Não sabe que a amo desde que a vi. Sei que você vai me odiar e me deixar, mas, por favor, não nos abandone. Não fuja.
Abraçou-me por um longo tempo. Senti-me tão bem nos braços dele.
Uma paz que nunca senti antes. Senti seu coração bater apressado. Senti que queria ficar assim. Que não queria fugir mais de tudo e de todos. Fugir e não tentar.
O amor revela-se e quando tentamos negá-lo torna-se mais forte ainda.
A paixão nos faz ver o tamanho da nossa solidão!