Pausa
Então ela resolveu fazer uma pausa.
Era só por alguns momentos, meros segundos, nada que fosse alterar o fluxo monótono da sua vida e do seu cotidiano. O bebê parara de chorar, a mamadeira estava em suas mãos e ela olhou firme para o caminho que separava seus passos da cozinha. Ela só tinha de andar um pouco, chegar até a pia, lavar a louça, guardar e seguir em frente, checar alguns papéis, organizar as coisas e, e...
Só uma pausa. Sentou-se no sofá, a mamadeira em suas mãos, os olhos arregalados, a respiração um pouco rápida demais. O que fizera da sua vida? O esperado, Eliza estava casada e com filhos, a tão sonhada estabilidade financeira foi alcançada, e também a estabilidade em seu relacionamento, nada faltava.
Um filho, aos quarenta anos não podia esperar mais. A criança era linda, uma menina com o nome da falecida avó. Logo ela cresceria, começaria a pedir brinquedos caros, roupas caras, os avanços no estudo pediriam um colégio melhor e mais custoso. A vida seguiria naquele mesmo ritimo frenético sem permitir nenhuma pausa.
Então por que ela parou? Precisava seguir em frente! Haviam roupas a serem lavadas, uma frauda a se trocar e o jantar do marido cansado para preparar. Ela mesma já estava com fome, se não levantasse as coisas se atrasariam, sairiam da ordem já planejada e então desmoronariam. Apenas alguns instantes, meros instantes não seriam capazes de tirar as coisas do lugar. Por favor, eu preciso descansar! Os olhos se fecharam.
Sentiu como nunca antes tivera tempo o macio da almofada nas suas costas. O sofá era tão caro, projetado para ser deslumbrante aos olhos olhos e capaz de fazer o trabalhador assalariado desgastado descansar enquanto assistia a TV durante o domingo.
Domingo. Não haviam mais domingos! Não agora que Eliza levava trabalho para casa. Eram muitos cálculos a serem feitos, ele a perseguia em cada canto da casa! Mais que isso, havia uma criança para cuidar, alimentar e educar. Uma menina devidamente planejada, calculada para vir assim que a renda familiar permitisse. Nada deveria sair dos eixos, e por que...?
Ouviu a mamadeira cair sobre o chão. Suas mãos se abriram sem que ela fosse capaz de notar. Só uma pausa, alguns segundos. O objeto deslizava, continuava fazendo barulho, mas os músculos de Eliza não se mexiam. Será que não queriam se mover? Ou era a vontade dela que os mantinham assim. Alguma coisa não estava normal. Precisava testar os músculos, querer se movimentar, pegar a mamadeira e ir para a cozinha enxaguá-la. Mas não, a vontade não vinha.
Por que lutara aqueles anos todos? Tudo havia sido em vão? Tudo acabaria assim, daquela forma triste e tão decadente? Eliza foi uma adolescente brilhante, desde cedo agarrou firme nos estudos, cursou uma boa faculdade e arrumou um emprego digno. Largou-o por ocasião da gravidez, uma gravidez bem pensada, afinal ninguém se sentiria completo sem gerar descendentes. Era natural, as coisas seguiam um rumo biológico até então. E ela continuaria trabalhando, mas em casa, aonde podia cuidar da menina.
Sim, estava tudo certo. Então porque as coisas andam tão mal? As brigas com o marido cada vez mais frequentes, a criança adoecendo e se curando estranhamente, como se absorvesse os baixos da casa. E o sentimento de que ela não estava completa? Não tinha o menor sentido, as coisas iam sim de forma terrível!
Mas ela já havia aprendido que para ter o controle bastava não se entregar a nenhuma pausa. Eliza sabia, qualquer tempo para refletir e descobrir qual era o problema seria um tempo mal empregado. Não havia problema! Era coisa da vã natureza humana, tão hábil de encontrar infelicidades, mágoas, interpretações erradas. Tudo daria certo, tão logo ela se levantasse.
Não, não queria! Por que se levantar e descobrir que teria de viver a sua vida como fora planejada, sem sair da linha nenhuma vez. Não haviam desfechos em sua sua história, momentos de drama, o caos não perdurava em nenhum recanto além da sua mente. Ela queria! Qualquer coisa, boa ou ruim, para quebrar a sua rotina.
O bebê bem que poderia morrer, se assim fosse a melancólica faria com que ela e o seu marido se aproximasse mais uma vez. Talvez Eliza devesse se encarregar disso e matá-la de uma forma bem discreta, para que as suspeitas não recaíssem sobre si.
Não! Que pensamento horrível! Ela era mãe, como poderia cogitar algo assim? É no que dá se entregar as malditas pausas. Mal podia acreditar que aquele tipo de pensamento brotara da sua mente, ela realmente havia pensado em fazer aquilo. Precisava dar um basta, ver logo um profissional qualquer, sua mente começava a fugir do seu controle.
Não, já havia fugido e estava longe. Logo os outros notariam que Eliza não fazia mais as coisas como lhe era hábito. Internariam em algum lugar, ficaria trancada e isolada. Seria legal se assim fosse, seria adorável. Uma mudança de ares, conheceria pessoas novas e etc. Sim, por que não enlouquecer?
Mas os irmãos ficariam preocupados, e o marido. Sua filha então, pobrezinha, cresceria tendo de visitar a mãe em um hospício. Não, essa não era uma ideia adorável. Mas porque pensara na menina? Não havia decidido há pouco tempo que era hora de matá-la? Eliza trouxe ela a vida, por direito podia levá-la a morte. O que diriam as leis sobre isso? Que era uma atitude errada, passível de punição.
As leis, porém não estavam certas, não seguiam a lógica da vida selvagem. Eram utópicas, imaginavam serem capazes de ordenar milhões de mentes inseridas em uma mesma sociedade, milhões de mentes que assim como a de Eliza eram capaz de sonhar sonhos horríveis, e se entregar à pausas malditas. Sim, lei nenhuma deveria ser capaz de dizer o que Eliza podia ou não fazer! Decidiu levantar-se, abrir os olhos e se entregar ao caos.
Não...! As pálpebras não se mexiam! Tão pouco mexiam-se as pernas. Sua respiração continuava cada vez mais rápida, embora seu coração desacelerasse. Rapidamente, parava. Quantos segundos se passaram? Cinco, seis, uma pausa curta, mas que logo seria eterna. Finalmente compreendia do que se tratava realmente. Lera as reportagens, viu no jornal, falavam sobre o stress, sobre o ritimo desumano em que se levava a vida.
Compreendera enfim: Era parte das estáticas. Como se seu único desfecho tivesse sido planejado por números, Eliza sentiu a vida abandoná-la, demitir-se