Presente Peludo - Bolinha em Ação

Presente Peludo

Bolinha em Ação

Adriana Quezado

Ele foi o presente mais fofo e mais peludo que qualquer criança gostaria de ganhar. Características que serviam para todo animal de estimação: parecia ser de pelúcia, apesar de tantos latidos e travessuras.

Assim que o bichinho ficava só, escondia-se para chamar a atenção da dona, deixando todos com aflição, com medo de que algo de ruim acontecesse ao mais novo membro da casa, que era a razão de viver de cada um.

Quando alguém saía, Raquel, a mãe, sempre prevenia Raíssa de fechar bem o portão, porque o cachorrinho tinha a mania de abrir a tranca com o focinho e sair para namorar e fazer travessuras.

De qualquer forma, mãe e filha precisam sair e fazer suas tarefas, mesmo preocupadas com o cãozinho peralta.

E isso é certo: num passe de mágica, Bolinha desaparece. Procuram o peludinho por toda a parte da casa, até nos compartimentos improváveis, mas não o encontram.

Chamam “Bolinha!”, mas não aparece. Será que se escondeu quando sentiu a presença de gente?

Mas ele adora o povo da casa. Fica entre as cadeiras para pedir comida e até chora quando não ganha imediatamente um pedacinho de carne.

Quando vê algum farelo no colo, fica logo de pé comendo e fazendo cócegas nas pessoas, dando susto nelas, que imaginam logo ser um bicho grande, mas quando veem que é Bolinha, caem na gargalhada.

Bolinha sumiu novamente. Ninguém o encontrava.

Raquel e Raíssa saíram para a varanda da casa, mas também, ele não estava lá. Saíram em busca do peludo fugitivo.

Avistaram uma rua escura, mas Raquel não tinha coragem de entrar, tinha medo de ser assaltada.

Raíssa, como toda criança pura, disse logo que poderia estar lá, mas Raquel não iria não, talvez amanhã, quando o sol raiasse.

Mas Raíssa não queria conversa adiada. Queria Bolinha com ela, naquele momento.

Raquel e Raissa, de mãos dadas, foram até a rua escura.

Chegando lá, viram uma matilha de pequeno a grande porte.

Desde pequena, Raquel aprendeu a não invadir o território dos cães, porque eles podiam se sentir ameaçados e morder.

Ela tem amor à sua vida, não iria se atrever.

Raíssa não queria perder Bolinha, mas estava presa à sua mãe.

Só havia uma coisa a fazer: chamar o cãozinho com todo o seu amor e força.

Assim que ouviu seu nome, Bolinha largou tudo, separou-se dos outros cãezinhos, amigos seu e correu com toda a velocidade, parecendo um novelo de lã e indo direto para o colo de Raquel que o levou são e salvo para casa.

Agora o grande dilema: como fazer Bolinha ficar em casa?

Talvez colocando em todas as paredes espelhos ou tampas de latas para que assim ele, ao se ver refletido nos espelhos, não se sentiria só, pensando que existisse um amigo igual a ele: outro cãozinho. A solidão talvez fizesse Bolinha ser fujão.

De qualquer jeito, ele continua o mesmo: fofo, lindo e principalmente peralta.

Não pode ver uma porta semiaberta, que a abre com seu focinho e sai em busca de um destino que nem ele deve saber.

Basta às pessoas estarem distraídas e o portão quase aberto para o peludo fugir em disparada.

Mesmo assim, ele é o queridinho da família.

Será mesmo só peraltice ou é ele meio maluquinho?

Talvez seja curiosidade de conhecer seus parentes da mesma raça.

Quem vai entender cabeça de cãozinho?

O jeito é descobrir um meio de ele ficar em casa e proteger toda a família.

Parece não ter jeito: Bolinha fugiu mais uma vez, dessa vez bem de madrugada, sem ninguém notar a sua ausência.

No outro dia, a filha mais velha de Raquel, vê-lo próximo da sua escola.

Fica em dúvida: “pega ou não Bolinha?”. Se pegar, perde o horário da escola e não aprende o ABC.

Resolve ir à escola, depois pegaria o fujão.

Mas era tarde demais, pois ele não estava mais lá.

Conta para sua mãe, que a repreende, por não tê-lo salvo. Bolinha era único.

Foram procurá-lo. Ouviram latidos de matilha e seguiram naquela direção.

Assim que chama pelo nome de Bolinha, ele vem correndo em disparada, parece um novelo de lã e pula no seu colo, como se fosse um recém-nascido.

Volta para casa são e salvo, direto para banho e tosa.

O quê será que vai aprontar depois?

Vai ficar quieto ou fugir?

Bolinha, depois de tanta peraltice, foi colocado de castigo. Prenderam-no na coleira, para que aprendesse a ficar em casa, quieto, como todo bom cachorro deveria ser.

Depois de vários dias “preso”, foi posto em liberdade, para que pudesse circular na casa livremente.

Ficou tão feliz que correu, deu cambalhota para comemorar a independência, possivelmente provisória.

Raquel, que é a dona, saiu e preveniu o povo da casa para fechar o portão. Mas como de costume, cada um, com sua vidinha particular, esqueceu-se de trancá-lo.

Um dia, peludo ouviu o trecho da música religiosa: “... Procuro abrigo nos corações; de porta em porta desejo entrar. Se alguém me acolhe com gratidão, faremos juntos a refeição”.

Achou tão linda a música que foi logo procurar os donos para fazer um lanchinho e quem sabe achar uma portinha aberta para fugir.

Ninguém estava em casa. Simplesmente, abandonaram-no a sua própria sorte canina.

Aproveitou, e, com o focinho, abriu o portão, que estava destravado.

Fugiu.

Fez de acordo com a música. Foi de casa em casa, farejando comida e seguindo adiante.

Na última residência, ele parou e ficou abanando o rabinho. Os donos da casa reconheceram ser ele, Bolinha, o fujão; avisando logo a Raquel para que viesse buscá-lo.

Logo lhes preveniu para que não o assustassem.

Assim que ela o chamou pelo nome, correu para um abraço, fazendo e recebendo carinho, mas estava muito sujo, o quê impediu Raquel de beijá-lo. E mais uma vez, voltou são e salvo para casa.

Até quando ele continuará com tanta sorte?

A filha de Raquel chegou a casa, ouvindo sobre a nova fuga de Bolinha. Raquel aproveita, também, para contar a esperteza do seu cãozinho: coisa mais fofa e peralta.

Mas, por causa de sua eterna travessura, Bolinha tinha de sempre ser preso.

De noite, era solto para correr e dar cambalhotas no quintal da casa. E, se não fosse pedir muito, vigiar e proteger a família. A pergunta é: quem teria medo de sua cara de bolinha de algodão?

Pela manhã, mesmo preso, sempre que tinha uma chance, escapava.

No dia anterior, depois da fuga, voltou para casa bem sujo. Como “prêmio”, foi levado logo à Clinica Veterinária, onde recebeu melhor trato: banho, massagem e como brinde, uma gravatinha. Parecia um cavalheiro, mas era mesmo um lindo bichinho fofo, cheiroso e esperto pra cachorro.

Fugiu novamente dias depois para procurar outros cachorros da sua própria família. Não os encontrando, voltou para casa muito triste. Dirigiu-se ao seu cantinho, encolhendo-se rígido.

No outro dia, bem cedo, as crianças acordaram, vestidas prontas para a aula. Chamavam-no pelo nome, ele não respondia.

Teria ele fugido novamente?

Pensaram logo nessa possibilidade. Gritaram mais alto. Ele não voltava. Não estavam entendendo. Ele sempre reconhecia a voz familiar.

Naquele dia, Bolinha não apareceu. Onde ele estaria? Precisavam ir à escola, mas a preocupação com Bolinha impediam-nas de seguir.

Algo as levava ao quintal. Chegando lá, Bolinha parecia estar dormindo profundamente.

Tocaram-no, mas não reagia. Estava totalmente gelado, como se estivesse passado a noite na geladeira. Não, ele não alcançaria o congelador e nem tampouco, tinha força para abrir a geladeira e chegar até lá.

O quê teria acontecido?

Não queriam acreditar, mas a verdade estava diante de seus olhos: Bolinha tinha morrido, para desespero geral de todos que o amavam, mesmo com suas peraltices e fugas.

Mesmo estando muito tristes, as filhas de Raquel conseguiram ir à escola. Conversaram com os amiguinhos que lhes deram muita força e coragem.

A causa da morte foi envenenamento. Não foi de propósito. O caso foi de descuido de algum vizinho que deixou veneno para barata solto no chão, aí Bolinha comeu.

Bolinha foi enterrado com muito amor e carinho de todos.

Depois de ter o “Santo” Bolinha falecido, gatos e outros cachorros foram morrendo repentinamente.

Parece que também por causa de veneno.

O sintoma era sempre mesmo: fugiam de suas casas e depois sentiam muita dor, como se estivessem para ter neném. Realmente os latidos e miados eram bem fortes. Não tinham a quem a recorrer, pois as pessoas tinham medo de que eles estivessem com a doença raiva. Ninguém tinha coragem nem de levá-los ao veterinário.

Eles morriam sem a assistência devida, isolados no canil ou na rua deserta, em seu leito de morte.

Fins tristes destes animais que nunca fizeram mal a ninguém e nem puderam receber a assistência necessária.

A suspeita do envenenamento recaiu novamente em um vizinho. Mas ninguém pode acusar uma pessoa sem ter certeza.

Todos sabem que ele pôs veneno para barata, mas foi Bolinha quem comeu.

Eles se reuniram para conversar com aquele vizinho, pedindo-lhe que tivesse mais cuidado ao usar veneno, que não deixasse no chão. Aproveitaram para alertar todos sobre esse problema.

E assim terminou a vida de Bolinha e de seus amigos animais aqui na terra. Foram todos para o Céu dos bichinhos para poderem correr livremente entre os anjinhos.

Eles continuam vivendo nos corações de todas as crianças que os amam.

Depois de algum tempo, Raquel, já avó, estava passeando com seu netinho pela praça cheia de árvores, flores e passarinhos. Ambos estavam bem felizes, cada um com a sua diversão.

A avó apreciando a juventude de seu neto, ele curtindo a sua infância do seu jeito.

O menino avistou um gatinho bem pequeno, sem mãe, abandonado pelo destino.

Queria adotá-lo, mas a avó tinha receio de que o gatinho pudesse já ter dono.

Foram passear em outro lugar e quando retornaram ao parque, ele ainda estava lá. Parecia estar esperando por Raquel e seu neto. Quando se reencontraram, o gato balançou o rabinho de tanta felicidade.

Não houve jeito: foi amor a primeira vista. Levaram-no para casa e deram mingau. O bichinho lambeu o prato até a última gota, tão grande era a fome.

Assim se repetiu e, de repente, virou um gato forte e sadio, fazendo inveja à criançada, que queria igual ao Salém, que era o seu nome.

O garotinho voltou para casa materna, deixando seu bichinho de estimação com a avó.

Mais tarde, Raquel ligou para seu neto, informando que o gato estava com saudade dele. Na mesma hora, foi visitá-lo e deu todo carinho que tanto precisava, deixando-o muito mimado.

Assim era a rotina do neto: colégio, estudo, esporte e visita ao seu animalzinho, que ficava com a avó por morar em casa e por ter, também, amado o bichinho.

Certa vez, o garoto ouviu uma história triste, sobre gente que não gostava de bichos e os maltratava. Teve medo de que acontecesse o mesmo com Salém, mas sabia que sua avó não ia permitir essa tragédia, ficando assim tranquilo.

Quem seria capaz de fazer maldade com os bichinhos? Mas todos só estavam preocupados com suas próprias vidas, não se importando com essa situação.

As pessoas precisavam cuidar bem de seus animais, para que não aconteça nada ruim para eles e possam crescer fortes e saudáveis para serem felizes e alegrar as crianças.

Sim, Bolinha tinha morrido por descuido do vizinho e pela própria peraltice sem limites, mas a vida continuou através das pessoas e de outros bichinhos que passaram a existir, serem cuidados e amados.

Ele jamais foi esquecido, nem substituído, mas sempre lembrado com amor.

A vida è assim: ela continua sempre em frente com muita alegria e diversão.

Adriana Quezado

XXXIII Concurso Internacional Literário de Conto

XXXIII Concurso Internacional Literário.-CLASSIFICAÇÃO 9° lugar

AQAZULAY ADRIANAQ
Enviado por AQAZULAY ADRIANAQ em 12/06/2011
Reeditado em 29/07/2011
Código do texto: T3030105
Classificação de conteúdo: seguro
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