ALVES, E TANTOS OUTROS....

Alves chegou em casa já alta madrugada. Demorou-se no bar aquele dia. Queria atrasar a solidão. Riu com os amigos, brincou com as crianças do casal que estava ao lado. Parecia um homem comum. Mas não é. Ou talvez seja.

A noite estava quente como uma noite de verão. Era uma noite convidativa a estar fora de casa, longe do silêncio e longe das inevitáveis indagações que a senhora noite nos impõe na frieza de sua escuridão em conjunto com a ausência de sons que habitam aquela casa grande, situada na Rua Domingos Souza naquela cidade que cresce num ritmo alucinante. A casa fica nos fundos de um grande lote, e na frente um muro impede a visão da rua barulhenta e movimentada. É um sobrado não muito grande, onde ele morava com a esposa e dois filhos que hoje moram em outro ponto do país, distante. Foi um divórcio dolorido, em que mágoas ficaram dos dois lados, ainda não curadas. Leila nunca mais lhe falou. Ligou um único dia, há mais de dois anos para dizer que Ernesto, o filho mais velho, hoje com dezenove anos queria ver o pai. Não veio, entretanto. Mais ou menos uma vez a cada dois meses, Alves sorri com um e-mail dos filhos que dizem amá-lo.

Há também um muro, esse intransponível, que separa Alves do resto do mundo. Ele ficou arredio com todos. Conversa pouco no seu trabalho e não se abre muito com os amigos. Muito diverso do que era, quando sempre sorria e contava longos casos, chegava bem humorado e cumprimentava alegremente a todos. Hoje ele chega e secamente diz bom dia. Sai do trabalho igualmente com um seco até amanhã. Passa quase todos os dias no bar do Hamilton, toma uma cerveja, fuma um cigarro e quase não fala. Hoje ele está acompanhado da Nívea, que trabalha na mesma empresa de publicidade e o convidou para sair.

Há tempos ele não sorria tanto, estava eufórico. Ao se despedir, já madrugada adentro, deixou Nívea em casa e ficou rodando pela cidade. Chegou e foi direto para o quarto. Não conseguia dormir no entanto. Pensava, e via a casa cheia, os filhos e a esposa. Ficou assim por mais de uma hora. Levantou-se e olhava fixamente para o telefone e a agenda. Durante cinco minutos ficou ali parado, sem pensar nada. Discou a metade de um número posterior a um nome feminino. Desistiu. Ligou novamente. Quando o telefone anunciou que chamava do outro lado da linha, desligou-o bruscamente. Chorou. Olhou para todos os cantos da casa, e saiu à janela. Admirou o céu estrelado. Observou a lua cheia e percebeu o silêncio da cidade, tão profundo como a noite e o universo, tão intenso como a noite de amor, que Leila estava tendo naquele exato momento, com aquele a quem agora ela chama de “meu amor”, há uma longa distância dali.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 10/06/2011
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