O Velório 2

Estava chegando a feira agropecuária doEstado, quando dona Zulmira recebeu em sua casa, vindas do interior, de Gurupá, dona Maroquita e suas duas filhas Marília e Marina.

Lá na passagem do rio Xingu, residiam quatro pessoas, Além de dona Zulmira, tinha a filha Tatá, o marido Djalma e a sobrinha Euzenir. E justamente naquela quinta-feira, o senhor da casa estava agonizante, padecia de um mal, que nem o médico sabia explicar.Depois de ter ficado internado uma semana no Hospital Geral, ter enfrentado a falta d’ água no hospital, má alimentação, falta de educação dos servidores e a falta de medicamento voltava para casa, assim como fora, se não pior... Há dias ardia em febre e tossia bastante.

- Entre comadre! A senhora não sabe como é bom lhe ver, o meu marido está vai não vai e já não sei o que fazer, mas a senhora sempre será bem vida independente da situação.

-Brigado Zulmira.

- Mas vamos entrando ponha as suas coisas lá no quarto, que já está se armando chuva.

Quando a Comadre se agasalhou, perto da boca da noite, o Djalma bateu as botas.

As velhinhas se abraçaram e choraram, as moças choravam, o velho perdia a cor e enrijecia no quarto, a chuva já anunciava a quem interessava, que viria. Relâmpagos e trovões se insurgiam.

Como dona Zulmira era de Gurupá e não conhecia muita gente por ali, inclusive tinha recém mudado para aquela casa, só contava com as amigas da hora.

A chuva, enfim caiu e as moças vestiram o defunto com uma camisa amarela manga longa, um cinto branco, a calça de linho chinês preta, as meias pretas e o sapato mocacin branco. Em seguida o carregaram para sobre a mesa, no centro da sala.Cercaram de velas acesas e entre terços, lágrimas, cafés e partidas de dominós tentavam velar o corpo, uma vez que as funerárias estavam de greve.

Seguindo a chuva a noite amadurecia calada, já não se sabia mais o que fazer, para que o sono não as levassem, foi quando lá pelas duas e meia da manhã, foram surpreendidas com alguém pulando o quintal colocando todas as roupas numa sacola e adentrando ao seio da casa foi logo dizendo:

- Todo mundo para a parede, é um assalto.

Entre lágrimas de desespero e de saudade o velório foi regrado...Dona Zulmira pedia pelo amor de Deus; Dona Maroquita desmaiava, as moças choravam em coro e acudiam. Mas o menino não queria saber.Estava com o desejo fixo, os olhos vermelhos, as mãos trêmulas armadas e o que mais chamava a atenção era sua idade, aviltada pela sociedade, maquiada pela estatística e violentada pela prudência dos nossos senhores de Brasília.

A contento levou o que pode até o único sapato do defunto, chamou muitos palavrões e pulou o muro, ganhando de volta o seu triste destino.

Enquanto a coisa acontecia na casa do finado Djalma, do outro lado da rua dona Candinha assistia nervosa, mas conseguiu ligar para a polícia. Duas horas depois, como de costume, quando, enfim a chuva passava, a porta era atropelada pelo jeito educado de um sargento de polícia, seus comandados e dona Candinha, que tomaram um susto ao adentrar a casa, vendo ao centro rodeado de mulheres, um corpo, quase despido e sem sapatos.

- Era o falecido!Dizia a dona da casa, que envolvida pela crise de tantas surpresas cedeu espaço para sua filha Marília explicar o que acontecera.

Os policiais ainda olharam pelo quintal, mas não encontraram nada além de um amanhecer de dia entre as folhas das árvores e o canto intermitente dos pássaros.

Dona Candinha matou a sua curiosidade exercendo a solidariedade.

No meio de tanta confusão o sargento da polícia conseguiu que uma velha funerária fizesse o enterro, no dia seguinte.

Dona Maroquinha arrumou uma forte dor de cabeça, que a dividiu com a dona Zulmira e por vários dias após o enterro ambas ficaram de cama.

No ínicio da outra semana, foi que dona Maroquinha comentou:

Puxa Zulmira, se eu fosse tu iria embora desta cidade, até derfunto não escapa do assarto.

- É Maroca, acho que vou mesmo, pois que no meio da confusão de ladrão e polícia, o pior não foi o assarto, mas a cobrança do Djalma.

- O que foi Cumadre! Disse a dona Maroquita.

-Ah! Mana, num sabe até...

- Né que no finar de tantas situações o pobre do Djarma foi enterrado sem sapato.E ele me veio recramar no meu sonho.